sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Nietzsche pra lá de Bagdá




Toda a minha vida procurando os espíritos livres, Henri Miller, Bukowski, Gutierrez, Hilst, Kerouac, Gauguin, Modigliani.... me levaram aos 39 anos até Nietzsche, me levaram até que enfim "Para Além do Bem e do Mal".
Livro para ser lido com muito cuidado e respeito. A princípio desprezo a opinião de Nietzsche sobre as mulheres e por vezes sua falta total de humanismo e desprezo pelas "castas inferiores" bem como sua predileção pelo aristocrático. Não é possível que a vida se resuma a uma eterna "luta pelo poder". Há excessões meu caro!
Por outro lado temos que enaltecer sua visão artística do mundo, seu estilo e sua luta pelo afastamento da vulgaridade e pela descrição nua e crua do mundo como ele é, bem como as críticas severas e com propriedade sobre à visão metafísica das coisas e à filosofia de conveniências.
Enfim, nada melhor que alguém em 1886 dizer que a ambição metafísica "prefere um punhado de "certeza" a toda uma carrada de belas possibilidades".
Que: "não se deve ir a igreja quando se pretende respirar ar puro"
"O cristianismo deu veneno para Eros beber. Este, na verdade, não morreu, mas ficou viciado".
Mas o mais importante é o manifesto para os filósofos do futuro contra a felicidade geral dos rebanhos e suas cantilenas "igualdade de direitos" e "piedade para os que sofrem", bem como as deturpações e uso indevido do falso altruísmo dos poderosos e a aceitação passiva dos comandados. ABAIXO O INSTINTO DA CONSERVAÇÃO!!!!!!DO MEDO!!!! DA FALSIDADE!!!!!
Afinal: "A objeção, o desvio, a desconfiança alegre, a vontade de brincar são sinais de saúde. Tudo o que é absoluto pertence à patologia".
Na mesma esteira nos conclama a sair do marasmo da "fácil comunicabilidade da necessidade" das "vivências apenas medíocres e vulgares". Sentimento facilmente vivenciado em estádios de futebol, igrejas ou Shoppings Centers.(...)
Pena que a mente humana é capaz de deturpar qualquer coisa, sendo Nietzsche em momento histórico peculiar, indevidamente apropriado pelo anti-semitismo, nazismo e facismo, logo ele que anteviu às grandes guerras, escreveu claramente contra o anti-semitismo, inclusive enaltecendo o povo judeu e criticando o racismo e xenofobismo alemão que começava a formar-se. Mas conforme o próprio Nietzsche sabia: O ser humano é capaz de tudo em sua luta pelo poder, e nisto ele foi traído pela própria irmã que filiou-se aos ditadores medíocres de sua época.
Quem vê o bigodão acima pensa numa pessoa reclusa, solitária, de mal com a vida, que, como sabem, terminou seus últimos 10 anos com problemas mentais. Não é bem assim. Nietzsche tem uma visão(em alguns momentos) muito mundana e alegre da vida, o que se observa quando diz que existindo um Deus este deveria dançar; que o concubinato foi corrompido pelo casamento ou que "maturidade do homem significa o reencontro com a seriedade que se tinha nas brincadeiras de infância".
Enfim, entre os vários Nietzsches, fico com o alegre, o não rancoroso, o artista, o literato, aquele que buscou o perigo, que foi de encontro à mente tacanha e conformada de sua época, aquele que apesar de todo o sofrimento não cambiou à vida por nada e cheio de orgulho por si, glorificou-se na eternidade e nos deu lições como está:
"O essencial "no céu e na terra" é, repito, que se obedeça durante longo tempo e num único sentido: a longo prazo. É assim que se obtém e se obteve sempre algum resultado pelo qual vale a pena viver na terra, por exemplo virtude, arte, música, dança, razão, espiritualidade - qualquer coisa sublime, refinada, louca e divina".
Para os filósofos do futuro e os espíritos livres: "Aquilo que nos atrai é exatamente o infinito, o desmesurado. Assim como os cavaleiros no cavalo desenfreado, largamos as rédeas perante o infinito, nós, homens modernos, semibárbaros que somos - e sentimos a nossa felicidade apenas onde nos sentimos mais - em perigo".
E pergunto de forma indignada à Madre Helena ou à Irmã Batista ou a qualquer uma daquelas maravilhosas freiras do Colégio Santa Úrsula: Porque demorei 39 anos para conhecer Nietzsche????

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O casamento acabou...




ELE


O casamento acabou. Para Ele, o balanço geral até que era bom; algumas rugas a mais, uns sonhos a menos, mas não perdera a capacidade de sonhar com algo melhor. No final era isso que importava.
Após a separação tudo era novo; e Ele que nunca tinha notado a sua própria existência começou a ler os existencialistas principalmente Sartre: “Ninguém deve cometer a mesma tolice duas vezes. A possibilidade de escolha é muito grande”. E com esta frase martelando na cabeça começou a explorar as possibilidades que desordenadamente lhe apareciam. Muitas festas, muitas mulheres, alguns homens, um travesti , inúmeras bitucas de cigarro e várias taças vazias. Ele experimento de si mesmo fazendo acontecer sua própria existência.
Tudo saia conforme o planejado até aquela fatídica noite onde lhe esperava o fruto do acaso. Ela surgiu do fundo do bar, com um vestido branco, um cabelo molhado e um olhar de mistério estonteante. Nunca tinha visto aquela mulher tão linda, tão dona de si mesmo, o avesso daquela de outrora incapaz de explorar seu livre arbítrio. E foi amor a primeira vista, uma paixão fulminante que culminou em casamento. E desta vez Ele se fez pleno. Coerente com sua nova filosofia de vida chegou a conclusão que Sartre estava certo; a separação não estava mais nos seus planos.


ELA

O casamento acabou. Para Ela, perder assim tão futilmente o único homem que amara era uma tragédia. Não sabia o que fazer de sua vida outrora tão planejada. Um dia lendo um velho livro muito em voga nos anos 70 deparou-se ao acaso com uma frase que lhe fez pensar “Ninguém deve cometer a mesma tolice duas vezes. A possibilidade de escolha é muito grande”. Pensando nisso disse um basta para suas lamúrias e anos de anulação. Ligou para aquele ex-namorado de infância que ainda lhe cortejava e entregou-se inconsequentemente como jamais tinha feito. Porém ao ficar só a culpa logo veio; para esquecer entrou no primeiro bar que lhe ocorreu; saindo do banheiro por ironia do destino lá estava Ele....sozinho, sentado em uma mesa, com um olhar triste e demonstrando uma fragilidade linda que até então desconhecia. Foi o suficiente para confirmar o que já sabia. Amava aquele homem. E sem pensar duas vezes casou-se novamente. “-Que se danem os outros... o velho livro... as inúmeras possibilidades; sou um tola mesmo e morrerei assim.”

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Quinzinho, Raul, Paulo Coelho uma prima e eu




Uma vez num bar ainda jovem, conversava com uma prima mais velha todo animado falando em escrever uma música, um livro, quem sabe lançar um poema. Eu era, como disse, jovem e ainda acreditava nas coisas....
Foi quando ela me disse em tom desiludido e profundo que já tentou tudo isso e terminou num apartamento/quarto/sala dando aulas de inglês para débeis mentais da classe média.
Porra, cacete, minha prima predileta, aquela que assistiu um Show do Queen em um teatro para 50 pessoas em Londres, que tocava violão 8 horas por dia e separou do marido americano pela arte, pelos amigos, quem sabe para escrever uma música, um livro, um poema...;(???)
Sem esquecer que ela morou nos Estados Unidos, que flertou com Woodstok, que era a cara da Rita Lee e fazia uns solos do Yngie Mallmsteen.
“- Dou aulas de inglês para débeis mentais da classe média e vejo o meu filho crescer ; e vou todo mês buscar a pensão alimentícia no Banco do Brasil, faço o supermercado e sonho com um aumento na pensão para o ano que vem”
...ela não sabe, sequer se lembra, mas naquele dia criou mais um iconoclasta desiludido, mais um ser autômato em busca do maldito salário no final do mês.
Eu tinha 15 anos, já bebia cerveja de forma constante, usava um maldito cabelo na testa e era um pretenso artista. Assistia filmes de arte no Cine Clube Cauim, (Fellini, Godard, Antonioni) e acreditava que o mundo podia ser mudado e que “o destino é a gente que faz” e outras babaquices adolescentes que hoje só o Paulo Coelho acredita.
Mas eu acreditava de coração porra! E tinha 15 anos (ao contrário do Paulo Coelho).
Desde então a cerveja começou a amargar em minha boca. Passei para o uísque (o demônio engarrafado). Chafurdei na lama, lambi paredes, beijei sarjetas, mijei em becos sujos. Dormi com mulheres suspeitas, sem carinho; abusei da boa vontade de outras. Chorei sozinho nos quartos escuros.
Foi quando então fiz cursinho, depois Faculdade, casei, tive um filho, me tornei um cidadão respeitado (“ganhando quatro mil cruzeiros por mês”) e escondi no fundo do baú as músicas os livros os poemas e as pretensões.
Neste intervalo Raul Seixas morreu!
Hoje sigo firme para a aposentadoria, tomando a cerveja amarga e o uísque falso, curando ressacas com bebedeiras, na esperança de passar meus dias na praça XV dando comida aos pombos, lendo os classificados e jogando dominó.
Mais um cafezinho(da Única) por favor...um chopinho do Pinguim...um cigarro quem sabe...
- Olááá Quinzinho....tudo bem????

caio fernando abreu





Mais uma descoberta. Por diversas motivações passei a conhecer esse grande escritor das pequenas coisas, dos anti-heróis, das miudezas da vida.
A foto a beira mar, cabelo hippie, carango velho, viajando...quem sabe para o sítio de Hilda Hist vem a motivar qualquer um e desperta uma saudade daquele período em que não vivemos por mera questão de gerações...quando o sonho de consumo era ir para Katmandu e fazer experimentações.
Escritor de cultura linguística indiscutível, português impecável e idéias bem colocadas, de uma criatividade ímpar, um dos poucos escritores que li, que tem uma marca, um modo próprio de escrever.
O interessante e como ressalta Lígia Fagundes Telles, é que o escritor não se atém à modismos, e estilo passageiro, escreve aquilo que tem vontade de escrever, sendo que em uma análise do próprio, até meados do fim da vida não atingiu o profissionalismo, sendo o ato de escrever um ato necessário, que vem das entranhas e não da superfície.
O Ovo Apunhalado é datado(???)...(só se vc ler o período em que foi escrito). Os textos são atemporais, embora as idéias reflitam aquela coisa da época, quem sabe de ácido lisérgico , dos Beatles e do "flower power", margaridas, avencas e outras cositas.
Já o Ovelhas Negras é puro tesão para quem gosta de escrever. É uma viagem pela evolução do escritor, como escritor e como pessoa, desde os 14 anos até meados de 1995.
Observamos já no primeiro conto que o cara tinha que ser escritor, já brincava com a escrita e suas possibilidades estéticas criando um "climão" ora um anti-climax.
Na contramão de outro escritor citado neste Blog(que queima aquilo que não gosta e vive fazendo fogueiras), o Caio tem essa mania(a meu ver salutar) de guardar os pedaços de textos, pseudo-textos que muito embora numa primeira análise nada possuem em última análise ou dependendo de quem analisa possuem a capacidade que tanscende o próprio texto de emocionar demonstrando o novo escondido nas entrelinhas.
Vivendo e aprendendo....fico devendo a foto do escritor em sua fase "doidona"!!!!!
LEIAM! É O QUE É MELHOR É BARATINHO E TEM EM "POCKET"!!!!

Pedro Juan Gutierrez em três livros





Em tempos de Cuba na ponta da língua da mídia e de ponto final da era Fidel Castro(será?), necessário resgatar esse escritor que demonstrou toda a instabilidade da ilha, seu regime de ditadura socialista bem como toda a instabilidade daqueles que lá residem, inclusive o escritor, sem deixar de ressaltar o fascínio pela ilha. Tipo:"me bate mas eu te amo".
Em "Trilogia Suja de Havana" temos um relato visceral da vida do próprio escritor, cercado de sexo, excrementos e muita bebida e drogas; acompanhamos o mesmo pelas suas "bad e good trips" pelas ruas sujas de Havana, bem como pelos corredores dos edifícios do Malecon, limpando a bunda com jornal e jogando o papel nas coberturas improváveis de tempos de outrora, levando a vida possível, passeando em carros da década de 50, fazendo bicos, se prostituindo, e buscando o prazer imediato para satisfazer a falta de compromisso com o futuro, o ápice do descompromisso com a vida e seus objetivos.
"Sexo não é para gente escrupulosa. Sexo é um intercâmbio de líquidos, de fluidos, de saliva, hálito e cheiros fortes, urina, sêmen, merda, suor, micróbios, bactérias. Ou não é. Se é só ternura e espiritualidade etérea, reduz-se a uma paródia estéril do que poderia ser. Nada".
Não ia dizer mas vá lá! A comparação com Bukowski e Henri Miller é inevitável, porém com uma dose de latinidade, cores mais vivas e calientes.
Num segundo tempo me deparei com "O Rei de Havana" onde um anti-herói fictício que perambula pelo mesmo ambiente miserável de Havana e cercanias porém com um texto meio realista com momentos de realismo fantástico, situações fictícias beirando o absurdo da degradação física e moral que fatalmente culmina com a morte do protagonista.(sem qualquer moralismo – aponta apenas a verdade nua e crua).
Não gosto de ser desmancha prazeres, mas para aqueles que não vão ler o livro , e para aqueles que vão(sacanagem!) apresento o seu final, que para mim é o que ficou e é uma síntese do que acabo de falar:
"Sua agonia durou seis dias com suas noites. Até que perdeu os sentidos. Por fim morreu. Seu corpo já estava apodrecendo por causa das úlceras feitas pelos ratos. O cadáver se corrompeu em poucas horas. Chegaram os urubus. E o devoraram pouco a pouco. O festim durou quatro dias. Foi devorado lentamente. Quanto mais apodrecia, mais gostavam daquela carniça. E ninguém jamais ficou sabendo de nada."
Livro menor do autor comparado ao anterior, mas de leitura obrigatória para compreender a trajetória de Pedro Juan Gutierrez.
Agora retomamos o texto em 1ª pessoa. O autor já um pouco mais famoso(Até o Supla se apropriou indevidamente do "papito") mas sem abandonar sua Cuba, escreveu o relato de sua experiência com uma fã sueca e seus dias no 1º mundo como "escritor convidado". O livro "Animal Tropical" para mim é um dos melhores. Pedro Juan narra de forma hilária, muitas vezes trágica, às diferenças existentes entre o "Animal", latino e o "humanismo" Europeu, ressaltando as diferenças em todos os campos, principalmente no campo da sexualidade.
Imaginem um cubano nú, fumando charuto e bebendo rum na sacada de um edifício de três andares de sua amante sueca em Estocolmo? É como se o Homem das Selvas retornasse à civilização.
E nesse jogo de contrastes e diferenças o livro se sustenta muito bem, culminando com o retorno do protagonista e escritor à sua adorada e deteriorada Cuba não suportando o "bem estar" asséptico do mundo nórdico e Europeu, do 1º mundo do tédio, das facilidades da internet, e-mail(até isso é novidade para ele), das ações indenizatórias, da falta da liberdade de expressão.
No fundo temos que fazer uma alto crítica já que de certa forma também somos animais tropicais e Cuba não está tão distante de nossa realidade. (eles não tem pasta de dente, desodorante, mas pelo menos têm saúde, educação, cinema...) . Quanto saio do Brasil também tenho a mesma sensação de deslocamento, de apego a toda esta bagunça, esta esculhambação generalizada. Um livro que trata também desse assunto, porém de forma romanceada é Budapeste, de Chico Buarque, essa coisa do estrangeiro, do viajante...mas aí é outra estória.
Preciso retomar a leitura de Gutierrez, já que estou um pouco por fora das suas produções atuais. Já saiu o "Mucho Corazón"? Comentários e dicas por favor!
Um pouquinho de informação: "Pedro Juan Gutiérrez(1950, Cuba) foi vendedor de sorvetes, soldado, instrutor de natação, trabalhador rural, locutor de rádio e jornalista entre outros ofícios É escultor, pintor e autor de vários livros de poesia. Com Animal Tropical , conquistou o Prêmio García-Ramos de Romance 2000, para obras em língua espanhola"

"Vamos dormir que as visitas querem ir embora" Fuad Hanna

vagabundos iluminados com o pé na estrada





"agosto finalmente chegou com um golpe que fez tremer a minha casa e trouxe pouco augúrio de agosticidade. Fiz gelatina de framboesa da cor de rubis ao sol poente."



Acordei cedo hoje e li meu horóscopo: "dia ótimo para você se conectar com as altas instâncias, cultivando a arte, a espiritualidade e as formas de união sagrada com a natureza e o universo".
Então terminei de ler o livro supra "Vagabundos Iluminados" de Jack Kerouac, que estabelece exatamente esta conexão.
O duro é trabalhar depois desta passagem do livro:"seu único problema é nunca ter aprendido a visitar lugares assim, você permitiu que o mundo o afundasse no esterco"
ou esta: "este pobre rapaz, dez anos mais novo do que eu esqueceu, durante os recentes anos de bebedeira e decepção, todos os ideais e prazeres que conhecia anteriormente, ele não liga a mínima para o fato de não ter dinheiro nenhum, tudo que necessita está dentro de sua mochila"
e por aí vai...; deu para sentir o climão flower power? Os beats é que começaram tudo. Woodstok , hippies, beatles etc não existiriam sem Alan Ginsberg, Jack e Cia que estão lado a lado no Beat Museum nos EUA.
O livro é uma versão radical/zen/budista de outro livro que li em 1994 "On the road" Pé na Estrada também de Jack Kerouac.
Aliás já escrevia resenhas dos livros que lia naquela época - vejam uma transcrição dos meus arquivos: "Soltando as palavras como Jack Kerouac, em seu livro "on the road". Total liberdade de expressão, exatamente o que estou a precisar agora. Sair da linha, sonhar um pouco, esquecer o dinheiro, os compromissos e as responsabilidade.
Com muito Jazz, estradas, velocidade, bebida e um descantamento com a vida fútil, a geração "beat" tem neste livro uma cartilha para um modo de ser diferente, inconsequente e livre, uma válvula de escape do capitalismo.
Os ídolos são pessoas errantes, andarilhos, cantores e músicos de bares suspeitos, mulheres idem(suspeitas), mendigos e...pilotos de corrida.
O ideal é passar pelo mundo sem fincar raízes ou constituir famílias tradicionais. O correto é correr cidades, conhecer pessoas fantásticas, diversas e em quantidade.
Bebida e comida barata, hotéis à preços módicos, caronas, empregos simples para juntar dinheiro e cair na estrada.
Um mondo ideal, uma leitura fascinante pela singeleza e inocência de um escritor que acreditou com veemência numa utopia. Aula de vida para os "inhos". Explico: "menininhos" "mauricinhos" que acreditam ser a vida um "Audi" na Garagem e férias na Disneylandia.
Enfim, o livro é um convite ao SONHO tão distante do americam dream " LTC 1994
Agora lendo o outro livro de Kerouac impossível não comparar com este meu primeiro relato, minha primeira impressão. Continua tudo lá...as caronas, as viagens, as pessoas fantásticas, comida barata o sexo desenfreado...com dois fatores novos e que sempre fizeram a minha cabeça: NATUREZA E MONTANHAS.
O Prazer de escalar montanhas: Vide mais uma transcrição - "para mim uma montanha é um Buda. Pense na paciência, centenas de milhares de anos só paradas ali perfeitamente silenciosas e como se estivessem rezando por todas as criaturas vivas naquele silêncio e só esperando que a gente acabasse com toda a nossa complicação e nossas bobagens".
Pelas citações acima dá para ver porque a maioria dos especialistas e fãs de literatura beat consideram o "Vagagundos" como o melhor romance de Kerouac.
Tesão puro. E não é o tesão do Aurélio, mas o tesão pela vida!!!!! I O que esta geração "beat" com certeza tinha de sobra.
O duro é saber que enquanto estes caras curtiam a vida os Republicanos faziam a festa...culminando neste "Bush", nesta guerra imbecil do Iraque e tantas outras atrocidades do momento atual.
Mas vá lá... ninguém é de ferro né: e politica e cultura sempre ficaram um pouco dissociadas!
O livro conta a história de Ray Smith que insatisfeito com seu "way of life" conhece Japhy Rider, um montanhista zen/budista que lhe apresenta a outra face da moeda da consumista sociedade americana.
Pasmem! O livro é de 1958 e por consequência do que falei acima é de uma atualidade estarrecedora. Será que ainda existe espaço para tanta utopia????
VAMOS SONHAR MINHA GENTE!!!!!!
E por falar em sonho acabo de ler outro livro da minha sonhadora predileta Hilda Hilst "A obscena Senhora D" que em determinado momento do livro e suas elocutiones define bem o que é viver: "viver é afundar em cada caminhada" "a vida foi isso de sentir o corpo, contorno, vísceras, respirar, ver, mas nunca compreeender".
Mas aí e outra estória para outro post! Beijo na testa!
E encerro com uma oração de Hilda Hilst/Casa do Sol/1981:
"Livrai-me, Senhor, dos abestados e dos atoleimados"

o velho safado




Factótum(1975), representa o minha nova incursão na obra de Charles Bukowsky, último escritor maldito, ídolo de outrora, dos meus tempos de alto envolvimento etílico e tardes livres.
O livro narra as aventuras ou melhor desventuras do alter-ego do escritor "Chinaski", escritor errante e alcóolatra , perambulando pelas diversas cidades americanas em busca de sub-empregos, bebidas, mulheres vulgares em becos sujos, ou seja, livro bom para ser lido em mesa de boteco com trilha sonora: Tom Waits ou quem sabe o blues do ZZ Top. (este eu desenterrei- lembra - os barbudos....)
O interessante do livro é que ele é autobiográfico - Bukowsky não escreveu o livro. Ele é o livro. Sua vida é o livro. Ele mesmo é o maior anti-herói da literatura norte-americana. Acho que inclusive chega a superar outro ídolo de outrora. Henry Miller.
Bons tempos em que o autor se envolvia com a literatura. Último remanescente daquela geração de escritores que se envolvia com a literatura de tal forma que passavam a fazer parte dela. E como sofriam....é inimaginável ver nos dias de hoje um escritor errante pagando com a própria vida pelo prazer de ser simplesmente escritor, com todas as implicações pejorativas de sua opção; o escritor ia fundo na tristeza, no sofrimento para depois, com beleza, retratar tais sentimentos.
Hoje escritor tá recebendo cachê adiantado e despesas pagas para passar férias em Tóquio e escrever sobre a experiência. Não que isso seja errado, mas são outros tempos não? São outras experiências, são outras verdades(ou inverdades observadas em tubos de ensaio!) Mas deixa essa polêmica pra lá!
O filme de 2005 com o Mat Dillon no papel de Chinaski/Bukowski nos apresenta um escritor fortão(muito diferente das fotos acima) e o texto encenado nos dias atuais! Dá prá passar o tempo e observar que o texto não envelhece, porém necessário dizer que o livro é muito mais completo e instigante em uma ordem cronológica muito mais interessante e com o charme da década de 70.
Entre o livro e o filme fique com o livro...e veja depois o filme como puro entretenimento oriundo da curiosidade humana!(uau...)
Já ia esquecendo: entre uma cerveja e outra Bukowski escreveu e publicou mais de 45 livros de poesia e prosa e seis romances, dentre eles Factótum.
E por falar em texto que não envelhece, dias de hoje, escritores contemporâneos... que tal esta passagem do livro Factótum: "A lei do mais forte. Sempre havia homens à procura de empregos na América, sempre esta oferta de corpos exploráveis. E eu queria ser um escritor. Quase todos eram escritores. Nem todos acreditavam que podiam ser dentistas ou mecânicos de automóvel, mas todos tinham a impressão de que podiam ser escritores. Daqueles cinquenta caras ali na sala, provavelmente quinze consideravam-se escritores. Quase todos usavam palavras e sabiam escrevê-las, isto é, quase todos podiam ser escritores. Mas a grande maioria dos homens, afortunadamente, não é composta de escritores, ou mesmo de taxistas, e alguns homens - muitos homens - infelizmente, não são nada."
Conclusão: Bukowsky é uma porrada no estômago! Um brinde!!!!

Dulce Whitaker Tinoco Cabral





Dulce Whitaker Tinoco Cabral, nasceu no Rio de Janeiro mas ainda criança veio para o interior de São Paulo e aqui viveu intensamente.
De beleza singular, encantava todos em Ribeirão Preto, cidade em que passou grande parte de sua vida; casou-se com um médico, teve três filhos, vários netos, bisnetos....
Mas o grande lance é que ela escrevia poesias de uma singeleza e delicadeza ímpares.
Escreveu dois lindos livros "Um punhado de Saudade e de Lembrança..." e "Flores e Espinhos ao Longo do Caminho", livros que releio com constância e com imenso prazer.
Escrevia poesias por inspiração e dizia que a inspiração "ajudava a reviver o passado e ao mesmo tempo somá-lo ao presente, tão cheio de surpresas".
Sinto saudades!!! Sentimento tão bem retratado por ela em suas poesias. ("Soluça a saudade, a saudade profunda, A saudade que é dor...a saudade que é grito!")
Daquelas conversas intermináveis sobre os mais diversos assuntos, e principalmente sobre arte e literatura, tudo acompanhado de muito suco de caju e pão-de-ló. Da sua voz rouca recitando versos! Do meu avô emocionado ao ouvir as lembranças do passado: do jasmineiro em flor, da velha árvore que tombou, dos amores da mocidade, da sobriedade da velhice....
Quando falta-me a inspiração para entender a vida e expressar meus sentimentos, me aproprio de seus versos...como agora...
"É a roda da vida, girando...girando...
São entes queridos que vão nos deixando,
É o nosso mundo que vai se acabando...."
Mas não se esqueça minha avó que as gerações se renovam e: "nas partículas do coração de cada descendente, o seu amor estará pulsando eternamente!"

Uma Carta para Hilda Hilst


Hilda,
Li o seu livro "Contos D’Escárnio, onde as estranhas experiências sexuais de Crasso e sua aguçada crítica ao comportamento de suas amantes e amadas e a si próprio, tornam-se uma crítica generalizada para toda classe artística, aos leitores, ao próprio autor(você se questionando) e a toda sociedade.
Você tenta educar o leitor desesperadamente, usa o seu personagem ou seus personagens para desfraldar uma série de ataques à pobreza da literatura nacional e porque não de toda cultura impregnada de mesmice. Seu cinismo perante essa situação é mortal, irônica até o fim do túnel, retratando um País no fim do poço.
Seus contos com tema erótico/pornográfico, talvez um meio termo entre os dois, revelam uma beleza plástica literária jamais imaginada nos livros do gênero. "Avis rara".
O vocabulário vastíssimo é exemplo de respeito e admiração pela língua portuguesa, ficando muito distante do rebuscamento desnecessário, revelando uma riqueza pouquíssimo explorada, tão importante para uma comunicação diferenciada, estudada e de alto nível, para um leitor(em geral) tão mal acostumado e acomodado buscando a simplificação.
Você quebra tabus, demonstra uma visão aberta, banalizando e desnudando tudo aquilo que vivemos tentando esconder; esse lado animal, não civilizado – o sexo em conflito com o intelecto – a busca e a não busca de explicações para o inexplicável, o homem inserido no contexto natural, impulsivo, a magia do ser humano e tudo o que lhe cerca. O mistério.
Assim também me senti ao ler "Cartas de um Sedutor", impressionado com a qualidade do seu texto...tanta riqueza...tanto humor refinado neste País tão pobre, sem referências e sem graça.
Espero poder "cruzar" mais vezes com pelo menos alguns de seus 28 livros e com os novos que ainda virão e muito obrigado por me iluminar um pouco.
Mil beijos de admiração
Tinoco (13/01/93)

Depois de um mês estou deitado na sala lendo Machado de Assis e recebo um telefonema, 10:00 da manhã; minha mãe me chama. "telefone para você – Hilda Hilst" (Uau!)
Meu coração foi a mil – ligou para agradecer o carinho de minhas palavras e pedir para que eu reza-se por ela. Estava passando por dificuldades financeiras, em vias de fechar um negócio(venda de uma fazenda ou sei lá!) e estava um tanto apreensiva, diria até carente, precisando de uma palavra amiga.
Acho que dei-lhe a palavra amiga, ou balbuciei qualquer coisa típica de um garotinho assustado com a situação inusitada.
Me deixou seu telefone e abriu as portas de sua casa , colocou-se a disposição para receber doações. Qualquer garrafa de vinho ou caixa de Whisky seria bem vinda! Deixou bem claro (eh! eh! eh!).
Salve Hilda!

o quadro branco na parede branca



São os momentos brancos, sem inspiração, como um quadro branco na parede branca. A tentativa frustrada do criar....da não tão simples criação artística.
Já dizia o anti-profeta Zaratrusta: "-Estamos beirando o esgotamento criativo". Alguém já colocou o bigodinho na Monalisa por você. Duchamp expôs seu urinol em 1917. O ambiente artístico é cada vez mais claustrofóbico.
Então se você é artista e tá nervoso com tudo isso, faça como dizia a minha mãe. Vai lá fora "-tire as calças e pise em cima!".
Quem sabe isso não é uma nova "performance"...
Usando e abusando de Mirisola. Os "Gagliassos da vida" vão adorar!
Tá em dúvida? Só a Yoko Ono pode esclarecer.

Merdolência e Absinto






Acordo tarde, olho pela janela, uma mulher nua à espreita, garrafas de absinto pelo quarto, dor de cabeça....engov...coquetel molotov...

Um livro de Jack Kerouac jogado na cama. Um gato perambulando pela poltrona rasgada. Mulher nua à espreita. Cortinas ao vento.

Cheiro de absinto.

Hoje não sairei do quarto, de Kerouac, do gato malhado, das garrafas jogadas, da mulher nua à espreita. O ambiente me convida ao puro deleite do ócio.

Viva Sêneca e Aristóteles.

Olho no espelho. Olhar de reprovação. VAGABUNDO. Merdolências de uma infância católica, do sentimento católico da culpa enrustida.

"O trabalho dignifica o homem"... "Deus ajuda quem cedo madruga"..."quem trabalha sempre alcança"

insolência...incoerência, merdolência.

Mas.... um dia chego lá! Como Rimbaud às avessas.

Desconstruo as convicções mais arraigadas. Aquelas das entranhas que foram embutidas com o passar dos anos.

ONde andará Dulce Veiga? Guilherme de A Prado





Antes de começar esta crônica esclareço que sou primo do diretor! O que significa que o conheço desde os tempos em que fazia filmes experimentais com a família na Fazenda Santa Helena com sua Super-8 e me proibia(aos 12 anos) de entrar no set/quarto de hóspedes da Vovó quando estava filmando "As Taras de Todos Nós". Não sei porquê??
Então fui a convite da Tia Dida na Avant Premiére em Ribeirão Preto do filme "Onde Andará Dulce Veiga?", dele, Guilherme de Almeida Prado.
Chega o tão esperado dia.
Cinemark, Sala 8, sentei mais no fundo; mãe do Guilherme atrás, outra tia na frente, pai e mãe do lado, prima do outro e mais uma infinidade de parentes e amigos!!!!
Constrangedor não? "-E se o filme não for bom?...." "E se eu não entender nada?"...Já estava ensaiando às caras e bocas e a falsidade para o acender das luzes após à exibição. Para um cara tímido como eu esta é uma das piores situações. Saia justa pura!
Guilherme dá uma pequena palestra antes do filme. As explicações não ajudam, aliás me colocam mais uma vez na defensiva! Ensaio em silêncio os comentários vagos e imprecisos para serem dados com cara de patso na saída.
Para piorar Guilherme nos diz exatamente o que eu não queria ouvir. Que o filme quebra todas as regras cinematográficas e paradigmas e que apresenta nove finais; filme para se ver várias vezes.. "vários filmes no mesmo filme..."(????) - Meu Deus!!!! esta introdução toda para mim só tem uma explicação: FILME CABEÇA! urgh! bleargh!!!!
Apagam-se as luzes.(Guilherme sentado no chão) A primeira cena nos apresenta um quarto surrealista com pinturas do rosto pop de Che, uns esboços de Picasso na parede, algumas repetições de imagem "a la" Andy Warhol! O personagem de Eriberto Leão tem uma discussão repetida e enfática com a personagem de Julia Lemertz e sai voando pela janela que a cada momento nos apresenta uma paisagem diferente! Uau....Julio Cortázar puro! Realismo mágico....Ai Ai Ai... Meu Deus!!! Será que esta loucura toda vai se sustentar????
E por incrível que pareça a coisa toda em seu contexto flui bem. MUITO BEM!!!!
A união dos amigos, do ótimo texto de Caio Fernando Abreu com o ótimo e experiente cineasta Guilherme de Almeida Prado é uma das mais felizes dos últimos tempos. Como Batman e Robin, Stanley e Hardy, Jonathan e Jennifer Hart...
A história criada por Caio sobre o desaparecimento de uma atriz nos anos sessenta e sua busca por um jornalista/detetive têm toda uma relação com o cinema meio retrô e noir de Guilherme, que não dispensa eu suas cenas as antigas máquinas de escrever, discos de vinil, delegacias fétidas, toca-fitas, pianistas desiludidos em bares neon, personagens ambíguos e de sexualidade dúbia, vestidos longos e verdes e as fachadas reluzentes dos bares de outrora.
Guilherme também não dispensa trabalhar com quem gosta! Matilde Mastrangi, Maitê Proença, Christiane Torloni(impagável); Nuno Leal Maia(fazendo o único papel em que fica bem!); dentre outros....
E cada cena é uma aula de cinema...cada beco escuro revela uma surpresa, um monge, um abajur, um tecido, um beijo estranho, uma peruca, uma música....
A música é um caso a parte. Bem tratada, assim como o som ambiente do filme! Até a Carolina Dieckmann canta!??? - e escapa do ridículo(o mesmo não posso dizer de Eriberto Leão!)
Enfim o tempo passa...passa bem e no final no acender das luzes ouço palmas sinceras e só me resta escolher meu final predileto(do guarda-chuva de Jacques Démy) dar os parabéns sem nenhuma falsidade para o Guilo e um comentário agradável para a Tia Dida. (Graças aos céus!!!)
Sem dúvida uma ótima noite!!!!!
Saimos rindo e falando que o Guilo quer ganhar dinheiro! Essa história de fazer filme para ser assistido várias vezes....
Acho que meu primo sonhador até que enfim foi tocado pelo Rei Midas!
Deus queira! Ele merece.

o cinema novo morreu ou será que fui eu?


O estudante de cinema fã de Glauber saiu de São Paulo aquela manhã no vôo das 7:00 e foi para o Festival de Cinema de Brasília. Gastou todo o seu dinheiro na viagem;
Chegando no Espaço Cultural Renato Russo um suntuoso tapete vermelho lhe aguardava! Canapés, bebidinhas coloridas, gente descolada com cavanhaques aparados e carecas reluzentes; pessoas todas muito parecidas fazendo o estilo “intelectual cool de boutique”.
Não era nada disto que esperava encontrar na Capital Federal. Deslocado e com sua roupa sem grife começou a pensar quando aquelas pessoas iriam adquirir consciência da pobreza e sair do estado de inércia social.
A primeira exibição mostrava um filme sobre a “bossa nova” para ele no pior estilo hollywoodiano. O segundo filme era uma comédia romântica em que atores conhecidos das novelas macaqueavam aquela velha estória repetida várias vezes e que no fundo só servia para duas coisas: exibir caras e bundas e produtos para serem usados nas caras e bundas . Os descolados aplaudiam em pé!.
Cansado e deprimido saiu para o saguão para ler um jornal: “Favelados insistem em comer carne condenada” Uau! Era uma noticia de peso sobre uma carne estragada enterrada no aterro sanitário de Brasília junto com rejeitos hospitalares e desenterrada pelos favelados locais que a dois dias patrocinavam na favela um estranho churrasco à despeito do risco de intoxicação. A fome falara mais alto. E isso tudo a poucos quilômetros do Festival acético e bem comportado em que estava. Da civilização à barbárie. Do” mundinho” ao” mundão real”.
O estudante de cinema fã de Glauber com sua câmera super 8 em riste e com uma idéia na cabeça partiu para a favela para compreender a fome e sua estética tão enaltecida pelo cinema novo.
Esperava encontrar a cultura da fome minando a sua própria estrutura em busca de uma estética capaz de expressar a realidade e o imaginário brasileiro e que ao mesmo tempo causasse um impulso transformador e revolucionário. A miséria dourada e engajada de Jorge Mautner.
Mas...que desilusão....
Chegando lá deparou-se com churrasqueiras improvisadas em latões imundos e uma carne seca e salgada sendo repartida pelos moradores do local numa intangível festa. Rostos tristes e conformados sem qualquer esperança perambulando pelo chão de terra batida e árida. Jorge Mautner? Glauber? Quem?
Logo relacionou-se com eles que mesmo desconfiados lhe ofereceram a malfadada carne. Lembrou-se de Glauber e que para compreender a fome era necessário “violentar a percepção, os sentidos e o pensamento”. Aceitou em decorrência e até que a carne não era ruim.
Porém saciada a fome física a realidade nua e crua veio de súbito no comentário de um favelado que observando a sua câmera em riste lhe perguntou “– E aí moço! Vai sair na Globo?”
Triste concluiu que não é chegada a hora da revolução na América Latina. A consciência da própria pobreza ainda não chegou quer no Festival dos descolados, quer na Favela dos desgraçados. Na verdade “somos todos iguais, braços dados ou não”. (já dizia Geraldo Vandré)
O estudante de cinema fã de Glauber, para desopilar e desintoxicar, passou o resto da noite com uma terrível dor de estômago no centro de saúde local voltando no dia seguinte para São Paulo com sua câmera entre as pernas.
Largou a Faculdade de Cinema e pichou no muro do MIS, (Museu da Imagem e do Som) “Aqui jaz Glauber Rocha”
Enquanto isso... o Presidente Lula(que até então não tinha entrado na estória) comia uma chuleta temperada à moda mineira, cozida na grelha e acompanhada de uma boa porção de fritas, arroz, feijão e salada no Restaurante Gijo’s em São Bernardo do Campo.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ode ao Pinguim



Feira do Livro – palestra dos escritores moderninhos Daniel Galera e Santiago Nazarian – chego atrasado – cadeirinha dura no fundo – os menininhos falando sobre o “ofício” de escritor para alunos do 2º. grau... pobre geração que não chuta mais o balde! Saudades do Glauber mandando todo mundo à merda!!
Pois a melhor parte da palestra foi quando Santiago Nazarian falou que é comum encontrar o Marcelo Rubens Paiva na Rua Augusta em Sampa cercado de putas lindas e dizendo que as pessoas não sabem....mas seu pinto funciona!(eh eh eh!!!).
De repente também fala de uma viagem com Rubem Fonseca – que o cara é muito figura, gosta de fazer apoios/flexões no meio da rua e nos lugares mais insólitos (eh eh eh!!!) – o guia explicando sobre um ponto turístico e o Rubem Fonseca fazendo apoios/flexões...
Daniel Galera sem pedir licença levanta e vai ao banheiro! E eu naquela cadeirinha dura lá no fundo.

Um senhor mais velho resolve fazer uma pergunta “polêmica”: - “Porque esta nova geração usa um vocabulário tão chulo?” – Resposta do Nazarian que é uma mistura de emo com clubber saradinho: – Que “o vocabuário não é chulo mas necessário para caracterizar o personagem!” “-Muitas vezes o palavrão é necessário e não gratuito” – Puta-que-pariu!!!!!!!!
Nessa altura eu que estava do lado do Pingüim no Auditório Meira Jr. comecei a ter visões de chopes dourados gelados entrando pela minha garganta profunda e sedenta....
Foi quando o Daniel Galera chegando do banheiro respondeu que não escreve por ofício mas por necessidade....uma necessidade mais profunda que minha garganta....algo da alma e não para vender ou para satisfazer o leitor! Puta-que-pariu!!!!
Nesse instante levantei-me da cadeirinha dura lá no fundo e fui para o glorioso Pingüim. Tomei meia dúzia de chopes acompanhado de lingüiça, arroz, farofa e vinagrete; Fiquei olhando para os transeuntes que desfilam diariamente pelo calçadão.
Definitivamente não existe melhor programa do que ficar tomando chope na General Osório com a Álvares Cabral e vendo a vida passar em frente.
UM DISPARATE! UMA IRRACIONALIDADE!!! UMA PAIXÃO!!!!
E os menininhos perderam. Ao contrário no dia Seguinte Sócrates, Peréio, Cachaça e Cia Ltda se esbaldaram por várias horas no local.
A maturidade um dia chega.
Lembrei-me de George Bernard Shaw: “O homem racional se adapta ao mundo; o irracional insiste em tentar adaptar o mundo a ele. Assim todo o progresso depende do homem irracional”.
Um brinde!!!!!

A Carta Secreta de Caminha



Pouco ou quase nada se sabe sobre a vida de Pero Vaz de Caminha. Sabe-se que era filho do Duque de Bragança e que nasceu na cidade de Porto. Dedicou-se ao comércio e por escrever bem foi designado escrivão da feitoria de Calicute na Índia de onde seguiu com Cabral em 1500 para o Brasil, por ordem de D. Manuel.
Ainda em 1500, Caminha segue com Cabral para Índia e morre segundo relatos no dia 15/12/1500, durante um assalto dos mouros à feitoria de Calicute.
Mas não foi bem assim. Recentes estudos nos mostram que Caminha não morreu na Índia e sim no Brasil nos braços de um índio conforme carta secreta descoberta recentemente num compartimento escondido no banheiro particular de Dom Manuel em seu Palácio em Évora na cidade de Portugal. Vide o texto na íntegra:
“2 de maio de 1500
Caro Dom Doca vulgo “o venturoso”
Lembra quando lhe dei este apelido? Daquela noite chuvosa e aconchegante na Torre do Tombo?
Mas não escrevo essa segunda carta para rememorar os bons tempos que para mim estão enterrados a sete chaves e embaixo de sete palmos de terra portuguesa. Em realidade gostaria de expressar minhas justas lamúrias e ao final lhe fazer um pedido.
Porque Vossa Alteza fez isto comigo? Colocou-me a revelia nesta nau só para me punir? Como se o amor tão puro e verdadeiro entre dois homens fosse um pecado?
Pensou que me afastando de Portugal não revelaria nosso “segredo”?
Pensou que poderia enterrar o seu passado tão belo ao meu lado?
Pois fique sabendo que o seu Deus escreve certo por linhas tortas. Que sua torpeza e hipocrisia me revelaram o segredo da simplicidade da vida e me trouxeram para um novo mundo onde posso finalmente ser eu mesmo.
Logo que aqui desci nesta maravilhosa terra descobri o quanto era falsa a nossa vida em comum. Tudo às escondidas, nesse mundo de aparências e religiosidade castrante que é o Paço Imperial.
Primeiro gostaria de dizer que muito aprendi com Pedro, que além de ótimo Capitão-mor me proporcionou inesquecíveis noites em sua cabine particular. Jamais esquecerei Pedrinho, homem de garbo e bom gosto, sempre com seu colar de ouro, que ao contrário do restante da tripulação me ensinou os segredos das nuvens e das estrelas. Quantas noites não ficamos lado a lado no tombadilho observando figuras geométricas no infinito céu azul. Um dia ainda lhe contarei ao pé de ouvido o que significa uma “ancoragem limpa e segura”. Ao contrário do que pensas foi o melhor presente que já me destes caro “Dom Doca venturoso” e no tocante estou em débito com Vossa Alteza.
Mas não é só: gostaria de relatar que muito prazer e tesão me trouxe a visão dos índios nus que não ficam escondendo suas vergonhas, com seus falos grossos e ornamentados e sua sinceridade e inocência em expressar sentimentos. Mas vamos ao que interessa:
Pois bem, logo que desci nessa nova terra de Vera Cruz lá estava ele saindo do mar: homem de confeição branda, pardo, nu,, bom rosto, de nariz bem feito, apenas com uma copanzinha de penas vermelhas e pardas na cabeça, com um colar de continhas brancas e miúdas no pescoço, com o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro; para completar o belo conjunto o cabelo corredio e tosquiado com aquela sensual pintura vermelha pelo peito, costas, pelos, quadris, coxas e pernas até embaixo; mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. Só a nádega tingida de pintura preta que ficava ainda mais vívida com a água do mar.
Confesso que foi amor a primeira vista. Depois vim a saber que seu nome é Aimberê e que pertence à Tribo dos timbiras e que no mesmo instante aquele homem adoravelmente selvagem também se afeiçoou com minha pessoa, convidando-me para passar a noite em sua taba. Fiquei com muito medo, mas como Pedrinho achou que a experiência era importante para a nossa missão de amansamento topei imediatamente. Foi quando então o mundo novo descortinou-se em minha frente. Aimberê é tudo o que sempre sonhei, e a Tribo dos timbiras encara com a maior naturalidade aquilo que Vossa Alteza classifica como “o abominável pecado de sodomia”. Aimberê me batizou de “cunhanbebe”, nome com o qual fiquei conhecido entre os nativos que me aceitaram como o novo membro da tribo dos timbiras em uma grande festa de rebatizado, noite de lua cheia iluminada ainda por uma enorme fogueira ao som de peculiares instrumentos de percussão. Poderia ficar horas descrevendo o quão maravilhoso é tudo por aqui. Mas também não é o caso.
Feito tal relato peço que, por me fazer singular mercê. Me autorize por aqui ficar definitivamente e como satisfação para a sociedade portuguesa diga oficialmente que morri durante um assalto dos mouros à feitoria de Calicute. Pedrinho já concordou com a farsa. Também peço o sigilo dessa missiva e garanto que em contrapartida “aquele segredo” entre nós ficará guardado eternamente.
Adeus.
Assinado: Cunhanbebe
ps – favor desconsiderar a carta anterior; escrevi apenas para justificar o salário.
Ps2 – ah! Quase ia me esquecendo: Vá para o inferno seu filho de uma rameira!!!”
Vinte e um anos depois mais especificamente em 1521, quando D. Manuel veio a saber que Caminha tinha morrido de uma doença tropical misteriosa; numa espécie de ciúmes tardio, editou na nova terra então chamada Brasil as “ordenações manuelinas” onde instituiu a pena de morte aos sodomitas praticantes do abominável pecado da sodomia inclusive sem necessidade de consulta a Metrópole. E os homossexuais do Brasil não tiveram mais paz.

tributo a mirisola






Sentimento, sentido, exército, sentido, porrada no coração, sentido...meia volta volver. Volto ao início de tudo, nas profundezas do coração que insiste em me direcionar para a frente, para os lados, para todos os lugares, para lugar nenhum, como um titã enfurecido. Leio revistas, leio Nietsche, Márcia Denser e James Joyce. Vou no clube e vejo corpos queimando-se e cérebros desocupados. Caminho pelo shopping e vejo pessoas e mais pessoas, o mundo cheio de meias pessoas sem sentimento, sem sentido; porrada no coração...meia volta volver. Assisto um filme! Saio para trabalhar e vou para um motel lamber azulejos fétidos. Silicone nos seios pela rede pública nos cérebros desocupados. Vou no centro da cidade; o comércio de quinquilharias que todos querem mas não precisam. Em realidade em que sentido vou? Do centro ao shopping do motel ao inferno. Fico no quarto de leitura lendo Pelegrini, Bocage e Mirisola. Semana da pátria, semana dos párias, semana da merda enlatada para boi dormir. E não cheirei cocaína hoje, nem nunca! Abram os "gates" do Central Park dos cérebros desocupados. Desopilar a merda enlatada. O CRÂNIO É UMA LATA.

Repeat after me:

O CRÂNIO É UMA LATA
O CÉREBRO É UMA PASTA
MARRON ESVERDEADA
MERDA PISOTEADA

cú de bêbado não tem dono




CAPÍTULO 1 – SÃO PAULO - BRASIL

Rubão conheceu Helena na fábrica de cerveja onde trabalhavam; mais especificamente no setor de engarrafamento.
Ele alto forte e de cabelos negros como a asa da graúna. Ela pequena, delicada e meiga com os cabelos mais longos que o talhe de palmeira.
Começaram a namorar e apesar das diferenças físicas logo descobriram coisas em comum; mais especificamente uma coisa em comum. Adoravam sexo; e na cama convencional se davam muito bem.
Porém com o passar dos tempos, mais especificamente dois anos de namoro, a relação começou a ficar monótona e repetitiva.
Para afastar o tédio Rubão começou a ter brilhantes idéias; mais especificamente uma brilhante idéia: transar em lugares insusitados e improváveis de forma rápida e fortuita.
Tudo começou um dia no Parque do Ibirapuera. Helena com uma saia rodada e sem suas roupas íntimas, mais especificamente sem a calcinha, sentou na grama no colo de Rubão e transaram ali mesmo com várias pessoas passando ao redor.
A experiência foi tão emocionante que repetiram a dose na praia, mais especificamente num final de semana na Praia Grande onde a cena romântica deu-se no mar.
E daí em diante o tédio deu lugar à emoção vibrante da aventura. Era no elevador, no carro, banheiro de boteco, casa dos pais, festa de batizado, festa de criança, cemitério, velório....
Tudo ia muito bem; muito tesão, muitas emoções fortes mas...Rubão tinha uma idéia fixa, uma verdadeira obsessão. A coisa tinha que ser feita onde se conheceram, mais especificamente na Fábrica de Cerveja no setor de engarrafamento.
Porém como executar o intento com tanta gente no local, bem como o insuportável encarregado Tonhão que não largava do seu pé?
Após grandes estudos e projetos de alta indagação formulou seu plano. Na hora do café, mais especificamente às 22:30 horas do turno da noite esperaria todos saírem para o refeitório, inclusive o encarregado Tonhão que não perdia o café por nada, e então “pimba”:...daria início àquela transa inesquecível que não poderia durar mais do que especificamente 10 minutos. (tempo do intervalo).
E chegou o grande dia. Considerando o tempo que dispunham Rubão já chegou na fábrica vestido, mais especificamente com a camisinha no pinto. Helena sua comparsa no crime veio com sua velha saia rodada e sem suas roupas íntimas, mais especificamente sem sua velha calcinha;
A sirene irritante tocou; todos foram para o café, menos o casal. E então sem mais delongas “pimba”: a transa inesquecível começou ali mesmo onde tanto sonharam. Na Fábrica onde se conheceram, no setor de engarrafamento, mais especificamente próximo a esteira onde as garrafas circulavam em fila até o braço mecânico que impingia violentamente as tampas douradas em suas bocas.
Tudo ia às mil maravilhas; Rubão e Helena estavam em êxtase, em transe....ele apenas com o pinto para fora da braguilha...ela com sua saia rodada e esfuziante...a melhor transa de suas vidas, movimentos repetitivos e ritmados, muito suor, muita cerveja... (só faltava o samba!).
Mas alegria de operário dura pouco, mais especificamente muito pouco.
Ao fundo viram uma porta abrir-se e um vulto enorme entrando no setor, mais especificamente o encarregado Tonhão que estranhamente voltava do café mais cedo como jamais tinha feito. De súbito o casal interrompeu o ato e sabe-se lá por qual razão Rubão tirou a camisinha guardou o pinto e ficou lá...parado...com cara de patso...em estado de choque... de braços abertos e com a camisinha na mão sem saber o que fazer.
Quando Helena viu Rubão fazendo aquela cena comprometedora sussurrou delicadamente:

“-Faz alguma coisa idiota....esconde essa porra!”

De forma inconsciente e assustado Rubão fez a única coisa que lhe ocorreu no momento: girou o braço para trás e enfiou a camisinha numa garrafa que andava pela esteira segundos antes de ser lacrada com a tampa dourada. Tonhão nada viu de estranho... tinha voltado especificamente para buscar seu óculos de grau. Dezoito de miopia.


CAPÍTULO II – MOSCOU - RÚSSIA

A cerveja com a camisinha foi para um engradado de plástico. O engradado foi para um container, o container foi para um navio que chegou no Porto de San Petesburgo na Rússia. A cerveja importada do Brasil foi parar numa noite fria, no Bar Vodka em Moscou quando o cidadão moscovita Pavlov após pedir a 12ª. garrafa recebeu a dita cuja no balcão e depois do primeiro gole comentou com seus amigos Sasha e Boris:

"-Esta cerveja esta com um gosto gozado, vocês não acham?"

Depois de experimentar olhou para a garrafa e viu a camisinha boiando no líquido amarelo e mais uma vez comentou:

“-Malditos fabricantes de cerveja, por que não pensaram nisso antes; se as garrafas de cerveja trouxessem uma camisinha de brinde, eu nunca teria engravidado aquela vagabunda em Kiev!!!!”

Pra finalizar a noite, bebeu a derradeira cerveja, retirou a camisinha da garrafa e colocou no bolso ao lembrar o dito popular universal: “cú de bêbado não tem dono”.

Nunca se sabe....(pensou) e saiu perambulando pelas ruas de Moscou até dormir num banco duro e gélido na Praça Vermelha.

Acordou no dia seguinte roxo de bruços e com a calça arriada. A camisinha(???) Sumiu!(?)



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