sexta-feira, 26 de agosto de 2011

fada é foda


desenho do artista Adriano Monteiro

Depois de um longo e tenebroso solstício retorno para esse espaço quase sideral. Tempos atrás cometi um desatino - a despeito da minha opinião contrária sobre o assunto fiz uma oficina de contos do professor e escritor Menalton Braff. Bukowski em uma de suas coletâneas assim escreveu sobre as "oficinas": “Bukowski, se você fosse dar um curso sobre escrita o que diria para os alunos fazerem? Respondi: - Mandaria todos eles para o hipódromo e os obrigaria a apostar cinco dólares em cada corrida. O cretino achou que eu estava brincando(...)” .Então é isso aí. Melhor definição impossível. Mas como sou adepto da teoria da Marta Suplicy relaxei e "gozei" da melhor maneira possível. Em determinada manhã de sábado o professor pediu que fizessemos um conto de fada. Só podia dar no que deu... - vejam o meu conto, salientando que eu tiro zero mas não perco a piada:

FADA É FODA PORRA!

“Tudo que a mamãe tem do bom, peguei” Rogéria



Mon dieu! Não consigo acreditar que isso está acontecendo. Je suis désolé! E essa sirene irritante? E essa enfermeira horrível usando esse baton Ca-fo-nér-ri-mo? E porque as ambulâncias são brancas? Porque não “pink” ou mesmo um lilás? E eu aqui agonizando. Chiquérrimo não? AGONIZANDO.
Dizem que um pouco antes da morte conseguimos verificar em “flash back” todas as coisas marcantes da vida. É verdade. Lá estou eu atrás da igreja em Guaxupé ainda criança dando pela primeira vez. Para dez garotinhos em fila. Já comecei bem não?
Depois foram as brigas ridículas com meu pai que não suportava a minha “ausência de masculinidade”. Teve também aquele dia em que ele no auge de sua revolta baixou as calças e me comeu também. E me arrombou com força. Até meu pai.....(e se eu disser que gostei ninguém acredita).
Mas essas coisas não mudam. Eu tinha que ser vitima disso tudo. São coisas do destino. Estava traçado na minha curta vida que eu chegaria onde cheguei. Nessa ambulância Ca-fo-nér-ri-ma AGONIZANDO. Uau que chique! Será que vou para o Sírio-libanês?
E quanto mais o sangue esvai sigo nos meus devaneios e visões. Lá estou eu: um rapazinho lindo, olhos azuis, pele rosada, mãos lisas e com aquele ar feminino tão puro, tão angelical... fugindo as pressas para o meu sonho, para minha sina. São Paulo e seus inferninhos, suas boates e sua diversidade. U-la-lá! E no ônibus dando para o motorista na primeira parada para economizar a passagem.
Em São Paulo me travestia de Fada. A fada da Rua Augusta. A transformista mais gostosa do “Foie Gras”, uma casinha de “espetáculos” de uma sordidez exemplar.
Sempre gostei de contos de fada e vestia essa personagem com muito afinco. Um sucesso. Entrava no palco ao som de Olivia Newton-John “hopelessly devoted to you” me sentindo aquele ser sobrenatural cheio de graça, espírito, vontade e beleza. Uma Barbie dançarina seduzindo Peter Pans, Travoltas, Jacarés e Capitães. Uma peruca loira, saia branca rodada, bustiê e bons enchimentos faziam parte do pacote completo. (Sem contar o pacotão frontal propriamente dito)
E não tinha uma noite que eu não saia de lá para programas diversos e era comida....e dava ui....como dava. COMO É BOM DAR! Se eu não estivesse aqui agora nessa ambulância “démodé” com certeza estaria dan-do tu-do. E como boa fada pegando nas varinhas e de preferência nas varonas e gritando com muito êxtase para deleite dos fregueses: “pirlimpimpim! pirlimpimpim!”
Mon dieu! Como fui idiota. Très fou! Nessa vida não se pode brincar com o sagrado.
Aquele senhorzinho de gravata borboleta e suspensório comparecia no “Foie Gras” a semanas. Sempre com o mesmo ar estranho e soturno e com aquele volume no bolso esquerdo que jamais poderia ser um pau duro turbinado por viagra.
Todos os clientes me olhavam com desejo e volúpia. Ele me olhava com ódio, com raiva, como se eu fosse uma aberração da natureza. Tomava duas doses de uísque e ia embora. Nunca dei qualquer importância para aquele inseto desprezível. Quelle Horreur!
Mas hoje não. Hoje aquele senhorzinho chegou com seu olhar raivoso tomou meia dúzia de doses de uísque e no meio da minha performance aproximou-se do palco e falou com voz de choro e olhos lacrimejantes: “- Isso não! FADA É FODA PORRA!” Puxou o velho 38 do bolso esquerdo e descarregou sete balas no meu peito.
Agora estou aqui. AGONIZANDO. E se não me levarem rápido para o Sírio-libanes com certeza amanhã serei manchete de primeira página no Notícias Populares.” FADA ENCONTRA A MORTE EM INFERNINHO DA RUA AUGUSTA” ou quem sabe “ FADA TRANSFORMISTA FAZ SEU ÚLTIMO NÚMERO E VIRA PRESUNTO” Credo! Ca-fo-nér-ri-mo. Será que o Sírio-libanês tem convênio com o SUS? Mon Dieu, espero que sim.

Luiz Tinoco Cabral