segunda-feira, 5 de março de 2012

in-vagin-ação



cartaz do filme "A flor do Desejo" de Guilherme de Almeida Prado

“aquilo que não dizemos, nem reconhecemos torna-se segredo e este cria vergonhas, mitos e medos” Eve Ensler em “ Monólogos da Vagina”





Depois daquela milésima noite de sexo enfadonho e triste, com minha esposa nua já dormindo, que ela com seus cabelos negros sua pele rosada resolveu abrir seus grandes lábios carnudos e falar com toda a sua profundidade e sabedoria.
Tinha uma voz escura e triste mas com muita personalidade e como um eco distante foi logo reclamando:
- Você acha que isso que você está fazendo é certo não é?
- Uhunn não sei??? Faço o que posso!
- Pois saiba que tenho que ser bem tratada, ritmada, manuseada como uma música clássica, com estudo, com inteligência;
- É?
- Violência gratuita e nervosismo não estão com nada! Pressa então? Parece que você pegou um trem desgovernado a noite no escuro? Tem algum compromisso hoje a noite? Vai sair com aquela vadia de cheiro forte? Pois saiba que estou pouco ligando para suas vadias! Inclusive você poderia se inspirar mais nelas e fazer bem feito o serviço de casa não é? Não estou aqui para brincadeira...ou melhor estou aqui para brincadeiras sim! Para a arte para a poesia do amor e não para seus gestos mecânicos e repetitivos, sua introdução rápida e precipitada.
-Como??
- Não seja desentendido. Não é o seu gênero. Você sabe muito bem o que quer não é? Aqui estou eu toda cheirosa , aparada e bem tratada cheia de vontades e ambigüidades escondidas para seu deleite e sua cegueira não permite o vislumbre.
- Seja mais clara?
- Então vamos lá bobinho: Primeiro seria bom que você lavasse melhor suas partes íntimas. Afinal sinceramente eu não mereço misturar o meu perfume com o perfume dessas vagabundas que você pega por aí. Sem contar as doenças...faça o favor! Num segundo momento comece beijando com fervor, umidade e carinho, beijo de língua. Nós adoramos isso! Depois introduza bem devagar. Lembre-se daquela música do Martinho da Vila...”devagar....devagarinho”....e com o passar de alguns minutos, e não segundos, comece a aumentar o ritmo como um bolero, o bolero de Ravel. No auge da sinfonia ligue as guitarras e...aí sim....toque suas distorções pesadas de uma pedaleira Marshall, como um Kurt Cobain suicída, um Tom Waits desesperado. Deixe toda a sua loucura transparecer, sua verve criativa e criadora. O nosso êxtase. Finalmente não saia apressado. Permaneça em mim sem fingimentos. E é só isso.
- Só isso é?
- Sim! Fácil não? Da ternura à loucura à ternura novamente. E depois de algum tempo comece tudo de novo....no mesmo ritmo, com a mesma alegria....ahhh! como o Marcos na noite passada...
- Marcos? Caralho! Quem é Marcos???...
- Porra!. Eu e minha boca grande! Acho que falei demais.

(...)

E foi assim num diálogo bem aberto que descobri toda a verdade e que elas não conseguem guardar segredos. Desde então e graças ao Marcos me tornei um marido melhor. Corno é fato!...mas melhor.



Luiz Tinoco Cabral

sexta-feira, 2 de março de 2012

O HOMEM SEM SORRISO






“Vejam bem. O panaca leva um cascudinho e logo vai denunciar o colega para a diretora da escola ou para a Ong mais perto de sua casinha de bonecas. Se dependesse dos educadores de hoje, Flaubert jamais cogitaria em “Madame Bovary”... Henry Miller e Conrad não existiriam, e Kafka resolveria todos os seus problemas simplesmente soltando a franga. Tudo muito simples e colorido” (Marcelo Mirisola no conto “quatro alfinetes negros” do livro “Proibidão”)





Depois da interminável noite em mais uma festa literária de sorrisos falsos e letras apagadas, sem contar duas putinhas e o “ménage à trois” naquele hotel barato e sem estrelas...acordei com uma ressaca maior do que a Ilíada e a Odisséia juntas. Com a cabeça martelando repisadamente como uma música de Erik Satie fui tomar umas brejas na mercearia da esquina.

Lá encontrei os bêbados escrevinhadores de sempre em acalorada discussão sobre os poemas de Dylan Thomas. Tudo ia bem na minha mesmice confortável até aquele momento em que após uma piada maledicente sobre um conhecido escritor em que todos os presentes esboçaram uma gargalhada geral, unânime e burra o meu sorriso não veio.(???).No centro do Coliseu todos me olharam como se Nietszche em carne e osso aparecesse entre as prateleiras da mercearia travestido de apóstolo ensandecido proclamando o retorno do Messias.

Preocupado com a situação assaz constrangedora terminei meu estranho “mise-em-escène” e saí à francesa em direção ao banheiro.

Após uma bela “castigada na porcelana” que deixaria Marcel Duchamp orgulhoso, ao lavar as mãos, olhei fixamente no espelho quebrado e tentei em vão exercitar o sorriso.

Tentei lembrar piadas antigas, fiz cócegas no próprio corpo, gargarejos homéricos.....e nada! Tentei então levantar os cantos dos lábios com as mãos e em pânico “munchiniano” percebi que minha boca estava petrificada como um David de Michelangelo, e o que é pior, na horizontal, como um horizonte púrpura, triste e distante... Depois de duas horas de tentativas frustradas e sob os protestos veementes dos demais bêbados escrivinhadores que em fila aguardavam ansiosamente a vez de entrar no “WC”, tive um “insight” ou um “satori” que seja. Olhando no “fundo do âmago do meu ser” e dos olhos cansados percebi e disse a mim mesmo. “-Meu Deus! Sou um escritor velho e rancoroso em um mundo hipócrita e agora sem a capacidade de sorrir!!!!!! O que fazer?

No dia seguinte acordei da mesma maneira. Horizonte estático. Esperei até às dez horas fui na locadora de vídeos e aluguei todos os filmes do Monty Python. Passei a tarde inteira assistindo, inclusive aquela que é considerada a piada mais engraçada do mundo...e nada novamente! Tentei então Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgino Mufumbo. Não resolveu!

Foi então que eu percebi que a situação era mais grave do que pensava....

Depois de dias e dias sem rir de nada e ninguém....sem inclusive conseguir rir dessa situação risível resolvi apelar. Veio-me a mente uma frase de um escritor que sempre abominei, mas que naquele momento tinha um apelo salvador...mágico....transcendental... “O medo de sofrer é pior que o próprio sofrimento”. Paulo Coelho. Resolvi então consultar um médico psicanalista.

Dr. Hermanoteu Kurrr Zimmerrr era adepto da terapia da regressão por hipnose. Ao entrar no seu consultório tudo o que eu esperava era que ele não fosse barbudo, grisalho usando óculos e com sotaque alemão. Dito e feito! Ele era barbudo, grisalho usando óculos e com sotaque alemão. Nem bem entrei já foi logo soltando esta pérola para “descontrair” o ambiente:

“-O psiquiatrrra vira para o paciente e diz: - Meu amigo, eu tenho uma boa e uma má notícia parrra você. A má é que você tem forrrtes tendências homossexuais. – Meu Deus Doutorrr! e qual é a boa notícia? – A boa notícia é que eu acho você um gato.”

Não fiquei em dúvida se ria ou chorava porque por óbvio eu não ria. Horizonte estático. Verdade momentânea estabelecida. Mas que pensei seriamente em virar as costas e ir embora pensei...pensei...e... muito contrariado e tendo em vista o meu desespero absoluto insisti já que o Dr. Kurrr foi muito bem recomendado por uma amiga da amiga da minha mãe lá de Taubaté.

-Pois então... Dr. Kurrr, desculpe-me pelo meu semblante é que o estou procurando exatamente porque não consigo sorrir mais.

- Ahhhhhrrr! Interrresante!(...)

- Vamos fazerrr uma sessão de hipnose parrra buscarrr os fatos marrrcantes e trrraumáticos do passado que deram orrrigem a essa aberrrrração emocional em seu rrrosto! E continuou:

- Ao vivenciarrr novamente e removerrr esse trrrauma, você vai adquirrrirrr um novo ponto de equilíbrrrio interiorrr que permitirrrá a sensação física de sorrrrrirrrrr novamente!!! Rrrá Rrrá Rrrá!

Ato contínuo apagou parcialmente a luz colocou uma música do Kitaro em parceria com a Ênia, acendeu um insenso de alecrim, erva cidreira e abacaxi e começou a falar baixinho...baixinho....como uma bossa nova...um banquinho e um violão:

- Relaxe...Relaxe. Deixe sua mente relaxarrr....

Eu - escritor por ofício - e por natureza com criatividade, imaginação fértil e adubada, ou seja, altamente susceptível, logo fiquei em posição fetal e entrei em transe profundo.

- Tente lembrrrar os fatos recentes até os mais longínquos....

A príncipio lembrei aquelas duas putinhas de noites passadas. Como eram vulgares....e uma delas insistia que eu fizesse cunillingus na sua amiga e eu dizia que não...que achava nojento e que ao chegar perto daquela fenda escura e fedida eu começava a imaginar os inúmeros paus entrando e saindo, entrando e saindo....E ela falou que eu era um babaca, “-um babaca da porra!” O que só piorou a situação e depois desse belo diálogo eu até broxei...broxei com as duas como nunca tinha broxado antes....E ao chegar em casa lembrei de Marlon Brando e Romy Schneider e do tempo em que os filmes eram proibidos... e toquei uma bela punheta com o pinto jorrando como uma garrafa de champanhe francesa e os espermatozóides chegando até o teto como se fosse uma oferenda aos céus!

Voltando um pouco mais no tempo, em um rápido vislumbre lá estava eu na festa literária de sorrisos falsos e letras apagadas no momento exato da entrega do prêmio tatu-bolinha. Estava esperançoso. Era a primeira vez que era indicado....isso depois de nove livros publicados em editoras marginais. O meu novo livro “Copofragia da Alma” tinha um apelo estético diferenciado; tinha até um lado metafísico que eu nunca tinha demonstrado antes. Já estava até me vendo tirando o pé da lama(no meu caso da merda mesmo!), pagando os aluguéis atrasados, a prestação do financiamento do corcel II....Mas tudo em vão. Aquela loira aguada, misto de apresentadora de televisão com lésbica virgem pedófila anunciou: “-E o vencedor do prêmio tatu-bolinha do ano é............ “O Mago Vampiro no Jardim Eterno” de Paulo Fonseca Testa”. Muitos aplausos; E ainda tive tempo no meu rápido vislumbre de ver o sorrisinho sarcástico do Paulo em minha direção. (Puta que pariu! Que transe do caralho!).

E depois dessas e outras no meu transe “dos diabos” continuei regredindo....regredindo até aquelas infindáveis recusas das grandes editoras e revistas de circulação nacional; vi aquelas cartas muito educadas, polidas e padronizadas que sempre diziam mais ou menos assim: “Prezado Sr. Agradecemos o seu interesse, bem como o envio de seu texto, porém por motivos de inadequação ao estilo, grande número de escritores e grade reduzida não poderemos aproveitá-lo nesta oportunidade. Atenciosamente(,,,)”. Essa é a maneira que os sacripantas arrumaram para dizer que os meus textos não serviam sequer para limpar suas bundas gordas.

Um pouco mais atrás no tempo e espaço(diria bem mais atrás!) me vi no lançamento do meu primeiro livro. “Expulso da Zona sentei no meio-fio e chorei”. Lá estava eu com meus fartos cabelos compridos(que hoje não existem), minha boina francesa e minha camiseta do Che naquele bar suspeito, com mais um amigo hippie, um amigo punk, minha mãe e....minha namorada no palco imitando a Betânia e tocando músicas do Vandré e do Mautner. Foi um sucesso estrondoso!!! E lotamos o bar naquela noite...nove pessoas.(Contando o Che, Betânia, Vandré e Mautner). Ahhh!!!! minha miséria dourada...eu ainda sonhava com a revolução...em coisas singelas como: “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.

Mas toda a sessão de regressão caminhava de modo previsível e monótono até o momento fatídico daquela estranha visão do passado. Aquele que poderia em tese ser o trauma capaz de gerar toda a minha infelicidade que culminou na petrificação e materialização do sorriso travado. Meu Deus!!Lá estava ela com seus cabelos presos e negros, seus olhos escuros, raivosos e petulantes. Uma mistura de Virgínia Wolf com Simone de Beauvoir. Senti até calafrios....que medo!

Era ela! DONA DINORAH minha professora de português na sétima série do Colégio de Freiras em que estudava.

A escola lançou um projeto para a edição de um livro com textos dos alunos de todas as séries. Os melhores seriam publicados numa edição comemorativa dos 498 anos da congregação das freiras e distribuídos pela coletividade e quem selecionava os textos era...??? Resposta: DONA DINORAH!

Como até então e sempre eu era um nada no universo, uma insignificante partícula...um nêutron, ou pior, um projeto mal acabado de escritor, virgem e procurando seu lugar no mundo me empenhei de corpo, alma e mente e escrevi textos de extrema qualidade, muito ricos de humor e sagacidade. Eram textos geniais; algo novo que mesclava fluxo de consciência com fluxo de inconsciência, dadaísmo, anarquismo...com muitas menções e citações. Vanguarda pura! E eu só tinha 13 anos. Um Rimbaud dos trópicos!

Porém DONA DINORAH assim não entendeu. Não só não selecionou nenhum dos meus textos como me chamou na sala dos professores, esfregou-os literalmente na minha cara na frente de todos e disse que “aquilo” que eu escrevia era pornografia pura. “-Um desrespeito; Um despautério!!” Que só não me expulsava da escola em consideração ao meu saudoso pai. Ato contínuo pegou uma régua T daquelas de engenheiro e quebrou na minha cabeça. E ainda pude ver o sorrisinho sarcástico de um coleguinha, Emílio Zureta que não sei por que motivo estava na sala dos professores; escreveu o texto “Minhas férias na praia” e foi selecionado com menção honrosa. (Puta que pariu! Transe do inferno!).

(...)

- Mas....espera aí? O que é isso que nunca tinha reparado no rosto da DONA DINORAH ? Ah ah ah! Ela tem um buço português! Um bigodão parecido com o da Frida Khalo! Ah ah ah! E tem pelos saindo pela orelha também! É a cara do Chewbacca do filme “Guerra nas Estrelas” Ah ah ah!

-Meu Deus...quanto sorrisos amarelos....quantos livros “sérios” escritos....quanto tempo perdido.... –Socorro Marcel Proust!

Nesse instante final de estágio intermediário de consciência tive uma iluminação e uma ereção. Saí do transe e da posição fetal sem qualquer ordem médica nesse sentido para o espanto do Dr. Kurrr que nunca tinha visto nada parecido nos seus trinta anos de profissão. (em parte foi culpa do Kitaro!)

Virei para o coitado e falei: “-Vai tomar no currr Dr. Kurr! Enfia o meu salsichão no seu chucrute! Foda-se o tatu-bolinha!”; E com um sorriso no rosto que a muito tempo ausente sai pelas ruas desafiando a todos e escrevendo como um louco.

Eu estava curado.

Luiz Tinoco Cabral texto escrito no ano passado