sábado, 13 de setembro de 2014

Hosana na sarjeta Marcelo Mirisola




Analisando o último livro do Marcelo Mirisola, Hosana na Sarjeta que comprei aqui na Saraiva do Shopping Santa Úrsula, Ribeirão Preto, por R$32,00. Editora 34 primeira edição. Tem o livro novo do Mirisola até nas Lojas Americanas, quem diria!!! Yahoo!!!

Pra começar aviso que conheço quase tudo que o Mirisola já escreveu, desde o tempo que tinha que encomendar o livro e recebê-lo pelo correio e por isso entendo o mote que o impulsiona a escrever. No caso uma dor de corno ou de amor sempre é bem vinda(ou mal vinda) e serve de combustível, de lenha e adubo. Lembrei de “Joana a Contragosto” outro livro dele. Pensando bem uma dor não, duas dores. Para não se sujeitar a um psicanalista argentino(essa é dele). Fiquemos então com nosso analista de Bagé, ou de Florianópolis ou da Praça Roosevelt. Começamos com um encontro fortuito de um macho heterossexual, meio cristão e intelectual que gosta de Borges, Céline e Cioran com uma fêmea brega, macumbeira, raspada e gostosa em frente a boite Kilt que pode ser em Copacabana, Kuala Lumpur ou nos Jardins. Pois bem lá em frente ao Castelo da Cinderela  M.M encontra a sua  primeira mariposa Paulinha Denise. Não vou ficar descrevendo tudo. Como diria o Tim Maia “read the book”. Mas digamos que  o seu traço marcante é uma carapinha oxigenada. Pois bem, desse encontro vamos rindo do imponderável e trágico dessa combinação imperfeita. O equilíbrio que não existe mas que persiste na tênue corda bamba do sexo que, no caso, não precisa de viagra nem de metafísica. O contraste entre o carnal e o racional com pitadas de sobrenatural. Muitas divagações que vão das qualidades indiscutíveis do Zeca Pagodinho a cinco entidades abaixo de um chapeuzinho de poodle. Se a coisa toda já era difícil imagine quando aparece uma pseudo-fã mentirosa, novinha e adultera na jogada. Ariela é o oposto da outra em tudo pra começar nas regiões baixas onde predomina uma selva amazônica a la Cláudia Ohana. Mas com a nova cara metade e muita palha na cabana o equilíbrio por óbvio também não existe. Sem conflito não há livro, não há vida, não há merda, não há combustível. Entra a questão da juventude da mentira do desejo instintivo pela solidão e pela preservação do homem egoísta e ciumento. Entra agora até um improvável viagra na jogada e uma ou duas brochadas. Sei que falando assim nesse meu espasmo de síntese tudo parece muito pobre e superficial mas só lendo o livro para entender a profundidade, as sutilezas, as associações e citações de uma riqueza ímpar. (“read the book”).



Explico com exemplos:

Só Marcelo Mirisola é capaz de escrever diálogos impagáveis do tipo:

“-Aeroporto? – perguntou o motorista.
– Aeroporto, cemitério do Caju, pruma boate azul em Kuala Lumpur. Deserto do Mojave. Pra avenida chorar pela cabrocha que não apareceu. Vamos resgatar o dr. David Banner de um piano triste. Pruma quarta-feira de cinzas chuvosa debaixo de uma marquise no Anhembi. Qualquer lugar! Me leva praputaqueopariu motorista.” (página 140 1ª. Edição de 34).

Ou tratados de antropologia como este:

“Quando Deus fez o mundo, deve ter olhado pra Mongaguá e pensado: “É aqui”. E carimbou a Baixada na alma dessa gente que não é caipira, não é praiana, não é metropolitana. Não é nada. Basta fazer uma viagem de metrô. Do terminal Jabaquara até o Tietê. Reparem. A cara amarrada. A mesma tristeza, o viço perdido. A deselegância nada discreta da tiazona crente vestida de urubu. Apenas o barulho do vagão, nenhum sinal de vida. Inventamos a embolia. O câncer do pulmão. A neblina eterna cobrindo a Serra do Mar. Hebe Camargo. O bermudão, o Rider e a camiseta regata. E Deus, só pra sacanear, dividiu a conta no cartão em mil parcelas a perder de vista e sentenciou: “agora vão pra Mongaguá e não me encham o saco”. (pág 81 ed 34 1ª. Edição)  (risos).

Sem contar o imperdível estudo sociológico/político/ambiental de um Reveillon no Rio de Janeiro que começa na Adega Pérola em Copacabana e  vai parar numa cobertura/duplex no Leme com vista para a mata e as favelas. (ponto alto). O contraste com a vidinha banal e marginal no Km 60 na Rodovia Raposo Tavares dias depois. Já dizia o lugar comum: “o mundo dá voltas”. E esse livro também de Kuala Lumpur a São Paulo, Rio de Janeiro a Piumhi MG. (faz até uma parada obrigatória aqui em Ribeirão Preto/na Rodoviária).


E depois de tudo isso termina  com deslavado lirismo e uma poesia em prosa  sobre felicidade, solidão, desolação, tilápias e tucunarés na Serra da Canastra. Só poderia ser ele mesmo. Marcelo Mirisola. O resto é mesmice, cópia mal acabada, enganação. Fique com o legítimo(Rider) que não deforma. (“read the book”).



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A vida financeira dos poetas - Jess Walter


Jass é um escritor americano consagrado vencedor do Prêmio Edgard Allan Poe, mas o que me levou ao livro foi o ótimo título. Conta de forma muito bem humorada a estória de um anti-herói Matt Prior, jornalista com tendências poéticas e artísticas que abandona um emprego fixo para aventurar-se em carreira solo na internet. A partir disto o autor vai desvelando fracassos em série de Matt. O negócio não dá certo e no fluxo vem a crise financeira, matrimonial, familiar, profissional, culminando na crise de identidade com o protagonista aventurando-se numa insólita viagem ao mundo do tráfico de drogas. É claro que nada dá certo. O cara é jornalista e pior poeta como poderia envolver-se em seara tão distinta e tão, digamos, anti-poética. O bacana é que ao mesmo tempo em que o escritor nos entretém com essa personagem tão cativante, paralelamente faz uma crítica a todo o sistema americano capitalista, da busca desenfreada por comodidades, status, coisas e mais coisas, o que leva muitas vezes o cidadão a deixar toda a vida esvair-se pelo ralo, num fluxo constante e perpétuo ruma ao lugar que nos indicaram, que nos reservaram no sistema hidráulico. O esgoto. A selvageria urbana dos encanadores e detentores das torneiras  em Wall Street. O sonho americano nunca foi tão questionado. E é isso, no fundo o livro é : da classe média a classe pobre para demonstrar que não precisamos de luvas se temos bolsos. E o que importa está em outro lugar com certeza. E que para essa sociedade que está aí , começar do zero talvez seja uma boa saída. Sem afetações e maneirismos é claro. Pra começar - deixar o carro em casa e pegar um ônibus é uma salutar mudança de perspectiva. “O medo conduz às formas poéticas mais baixas” (pg 311, cap 28 Ed Benvirá 1ª. edição- titulo/autor supra)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O herói discreto Mário Vargas Llosa

The Women Bathing 1929 - obra de Tamara de Lempicka

Dos prazeres que me restam como homem casado além das alegrias do leito conjugal e oficial e o som da novela  entrando pelas vísceras me sobra ler bons livros. Desta feita confesso: Sou fã de carteirinha do Mário Vargas Llosa , escritor que admiro sobremaneira  acompanhando os altos e baixos de sua carreira como romancista. Simplesmente adoro “O paraíso é na outra esquina” e “Memórias de uma menina má”. Seu último livro “O herói discreto” é um livro discreto. Daqueles sem alarde, sem arroubos de política ou grandes saltos estéticos de um escritor que não tem que provar mais nada para mais ninguém. O Esquema de duas três estórias paralelas e intercaladas que se encontram vagamente ao final continua lá. O resgate de antigos personagens de outros romances também continua lá. Afinal o escritor tem um estilo próprio ao escrever, tem suas cartas na manga, tem 78 anos e nenhuma necessidade de mudar o time que efetivamente joga bem e efetivamente ganha. Porque não? A critica é impiedosa, sempre espera algo novo ainda mais depois que ele ganhou o Nobel de Literatura e se envolveu com política num passado próximo. Só vejo criticas negativas ao livro. É difícil para algumas pessoas pensar, imaginar vagamente  que o escritor quer apenas contar algumas estórias e se divertir com elas sem segundas intenções. Afinal escrevemos para quê? Para influenciar ou para entreter? Porque não as duas coisas sem maneirismos ou afetação? E é somente isso. Um livro sem maneirismo e afetações que trata superficialmente “en passant” de questões como ética e retidão de caráter num mundo materialista. A dificuldade da honestidade no mundo moderno. O medo coletivo. Os personagens principais Felicito Yanaqué e Rigoberto passam por inúmeras dificuldades e provações para manter seus princípios ante às tentações mundanas e triunfam em um final edificante. Os personagens se dão bem ao final e isso a crítica não perdoa. Acusam o autor de neoliberal já que um protagonista é empresário bem sucedido e o outro funcionário/advogado graduado de uma grande empresa. E porque não? Só tem valor escrever sobre artistas do underground que bebem e flertam com o suicídio 24 horas por semana? Acusam-no ainda de novelismo, irrealidade etc.  Com o devido respeito às opiniões divergentes não aceito. As estórias estão bem engendradas e se sustentam e nos impulsionam para a continuação, para o capítulo seguinte sem nenhuma dificuldade. Li o livro em dois dias até perdi a noção do tempo. Os personagens estão bem constituídos, passam na prova do CPF e do RG, e embora tipos comuns, deixam a impressão de magnitude, deixam uma mensagem, ou seja toda essa lenga lenga e para dizer que os personagens deixam o seu recado, a que vieram. Um romance tem que cativar o leitor. E cativa. Ademais sempre achei que o Rigoberto é o alter ego do Llosa. Aquele cara no fim da vida bem casado  que quer curtir as alegrias do leito conjugal e oficial, seus livros, suas gravuras ao som de boa música mas é convidado frequentemente a lidar com toda a urbe ensandecida, críticos mesquinhos e com  essa estranha realidade massacrante do dia a dia  que nos envolve. Talvez não perdoem o escritor devido a esse atual e bem dado piparote na página 180 : “a função do jornalismo nesta época, por exemplo, ou pelo menos, nesta sociedade não era informar, era escamotear toda e qualquer forma de discernimento entre a mentira e a verdade, substituir a realidade por uma ficção na qual se manifesta a massa oceânica de complexos, frustrações, invejas, ódios e traumas de um público corroído de ressentimento e pela inveja. Mais uma prova de que os pequenos espaços de civilização nunca prevaleceriam sobre a incomensurável barbárie.” Mais atual impossível não? Basta ir na banca e ver a capa da última “Veja”. Enfim pode ler sem culpa ou vergonha. Pra finalizar e dar um piparote em você leitor que não acredita no seu próprio potencial artístico (como eu) destaco o diálogo abaixo entre o filho Fonchito de 14 anos e seu pai Rigoberto retirado das páginas 185/186, lembrando que Deus perdoa tudo menos a covardia. Se a carapuça servir já ta valendo. Lá vai: “-Sobre você papai. Você sempre gostou de arte, pintura, música, livros. É a coisa de que fala com mais paixão. E então, por que foi ser advogado? Por que passou a vida inteira trabalhando numa companhia de seguros? Você devia ser pintor, músico, sei lá. Por que não seguiu sua vocação? Dom Rigoberto assentiu e pensou um pouco antes de responder. – Por covardia, filhinho – murmurou afinal –Por falta de fé em mim mesmo. Nunca acreditei que tivesse talento para ser um artista de verdade. Mas talvez fosse só um pretexto para não tentar. Decidi não ser um criador, e sim um mero consumidor de arte, um diletante da cultura. Foi por covardia, é a triste verdade. Então é isso. Não vá seguir o meu exemplo. Seja qual for a sua vocação, vá fundo com ela e não faça como eu, não a traia.” E aí serviu? Como uma luva não é? Esse espaço agora passa a ser de auto-ajuda também. Agora vamos ler o Cântico dos Cânticos que está no livro mais erótico do mundo e procurar na internet o catálogo de Tâmara de Lempicka na Royal Academy. Só vai entender esse último lampejo súbito de vontade quem ler o livro. Só para ilustrar que um romance de Mário Vargas Llosa nunca é um simples romance dispensável como muitos levianamente reproduziram por aí. Cabe apenas um pequeno puxãozinho de orelha no escritor já que ele sacaneou o personagem Fonchito na página 339. Eu  provo: “No free shop ela havia comprado várias correntinhas de prata peruana para das de lembrança às pessoas simpáticas que conhecessem na viagem e Fonchito um DVD de Justin Bieber, um cantor canadense que enlouquecia os jovens do mundo todo e que ele pretendia ver durante o vôo na tela de seu computador. É ruim heim Fonchito? Pelo amor de Deus.... Essa foi imperdoável. (risos).

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Notícias da Matilha Luiz Augusto Michelazzo Editora Coruja




Conheci o Luiz Augusto Michelazzo no lançamento do livro “20 ficções sobre o amor & ribeirão preto”, compilação de textos em que participei com um conto “as mulheres que não comi e outras misérias”. Autografei meu conto para ele e batemos um breve papo. De cara muitas afinidades literárias, referências influências etc. Mas no final da breve conversa ele falou algo que me intrigou. “-Também li “pornopopéia” e escrevo melhor que Reinaldo Moraes”. Pra quem não sabe  Reinaldo para mim é um ídolo, um escritor com grande domínio desse estilo desbocado e despudorado que procuro papagaiar. Dita a frase intrigante vamos então a prova. Fui na Editora Coruja e ressabiado  comprei  o romance “Notícias da Matilha” de Luiz Augusto Michelazzo. De cara adorei a capa com um desenho do grande artista plástico Paulinho Camargo. O livro é cinza e tem 303 páginas muito bem escritas e revisadas pelo próprio autor que escreveu em diversos jornais por vários anos dentre eles o saudoso Diário Popular. Entramos então no mundo das redações de jornal, da notícia fast-food, da rotina incessante em busca de algo que atraia o leitor médio, uma rebelião qualquer, política, drama, num ambiente altamente competitivo e opressor em busca da venda, do lucro da aceitação popular e do editor canalha, sempre canalha. Só os fortes sobrevivem. E o protagonista Antonio Capuletto é um deles sem deixar de ser um eterno repórter idealista e sonhador vivendo em um momento histórico altamente conturbado de inflação galopante e incertezas políticas. Mas tudo isso serve de  pano de fundo para descortinar as sacanagens, e o outro mundo que rola nos bastidores da notícia, entre um plantão e outro nos cafezinhos e barzinhos de final de expediente; E aqui entram as duas outras jornalistas Maria Luiza e Bete (mal casadas) e um tórrido triângulo amoroso de fazer Henry Miller ter uma ereção nas catacumbas. Seguindo uma antiga tradição de grandes escritores de Bocage a Bukowski o Luiz Augusto não tem tramela no teclado. Tecla sem dó nem piedade caprichando nas descrições eróticas e nos detalhes mais íntimos, muitas vezes sórdidos das relações sexuais de seus personagens, chegando muito perto do abismo da pornografia, mas com muita maestria não caindo nele, usando de um artifício muito nobre. O humor. Grande mérito do autor. Todo o texto é permeado de muito humor daquele escritor que escreve curtindo o que escreve sem se levar muito a sério, dando liberdade e vida  para seus personagens sem se preocupar com os pudores o nojinho dos leitores. Parabéns ao Luiz Augusto e para a Editora Coruja que tem prestado um excelente serviço às letras aqui na nossa terrinha roxa. Quanto a prova. Quem escreve melhor? Concluo que pouco importa, o importante é que  ambos escrevem muito bem, com alguns pontos em comum, mas cada qual com seu estilo próprio. Cada qual no seu quadradinho de quatro. O que realmente importa e a pergunta que não quer calar é quanto de autobiográfico tem de “Notícias da Matilha” com a trajetória de vida do nosso escritor e jornalista Luiz Augusto. Pergunta para ser feita no próximo bate-papo, quem sabe tomando um belo chope no Pingüim. Está feito o convite.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Kafka à beira-mar Haruki Murakami

“Mas uma coisa é certa. Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa. Só assim as tempestades fazem sentido.”
Haruki Murakami, in 'Kafka à Beira-Mar'



Esse Japonês é foda! Escreve pra caralho! Ao narrar duas estórias de personagens solitários que se cruzam com toda sorte de realismo fantástico o mestre Murakami vai nos dando uma aula de como destrinchar romances intercalando alta cultura com cultura pop, filosofia e a escatologia oriunda das coisas banais do dia a dia.Um garoto de quinze anos em crise existencial foge de casa para encontrar respostas para suas angústias e dilemas familiares. Um velho analfabeto que conversa com gatos  vai em busca do seu destino. E nesses caminhos díspares nos deparamos com um menino chamado corvo, chuva de peixes e sanguessugas, portais para outras dimensões, dilemas freudianos e shakesperianos, uma mãe omissa, um assasinato, um caminhoneiro apaixonado por música clássica, prostitutas que citam Hegel,  uma bibliotecária andrógina,conversas com ícones do capitalismo como o bonequinho do Jhonny Walker e o Coronel Sanders, mortes, sexo, descobertas e surpresas a cada página nos causando uma constante sensação de estranhamento. Murakami como sempre cria um mundo muito peculiar, um mundo de sombras que esconde os detalhes do piso irregular em que estamos caminhando de forma sempre titubeante. No final todo o não senso improvável faz o maior sentido posso garantir. E a satisfação após as intrincadas 589 páginas é plena.



Murakami é o queridinho da literatura japonesa atual largou uma vida estável como proprietário de uma casa de Jazz para correr literalmente atrás do sonho de ser escritor em tempo integral. Muito esforço e muito talento.