terça-feira, 17 de março de 2015

Para Felipa Martins



Uma estante enorme com clássicos da literatura. Mesas e cadeiras enfileiradas. São brancas, simples e estranhamente possuem toalhas. Como ler um livro sobre uma toalha? Por que cantor famoso gosta tanto de toalhas? No pé da estante um banquinho, urna, cofrinho ou escada. Na verdade  uma peça de design sem nenhuma ou  várias serventias. Só pra dar um ar de modernidade. Na parede uma imagem inusitada. Um super-homem numa bicicleta de circo segurando um guarda-chuva. Na composição secundária, nuvens carregadas e  uma gaivota com as asas abertas. Não sei o que o artista ou a artista quis dizer, mas combina com o ambiente, dito sofisticado biblio-resto-bar. Paraíso tropical em forma de livraria parafraseando Borges. No fundo uma porta de vidro  separa o mundo dos livros do mundo real. Aliás o que é real? Para quê uma porta? Porque uma banda se chama “portas”?Questionamentos assim entram e saem da minha mente perturbada. ELA chega. Curvilínea e dançante. Loira, vestido azul de laise, cabelos longos e salto agulha emanando leveza e delicadeza. Enfim uma mulher, daquelas de verdade, nota dez. Nesse exato instante queria ser o super-homem com sua visão de raio X(sem guarda-chuva, sem bicicleta). Esqueço que estou numa biblioteca, ou livraria ou paraíso borginiano ou coisa que o valha. Meus dois fetiches no mesmo raio de visão privilegiada. Tenho que escrever uma tese, um poema, um romance, um parecer jurídico uma porra qualquer. E nesse momento tudo fica num segundo plano, por trás da porta. Esqueço o real. Eu sou o super-homem não é mesmo? Sua pele é branca e entra uma brisa que a deixa levemente arrepiada. Acabou de sair do banho, seu perfume é um Miracle da Lancôme, aliás sua aparição é um miracle, uma miragem, uma vertigem. Como sou o super-homem vejo seus pelos pubianos suaves e loiros. A vulva rosa Lancôme levemente molhada. Um jasmim rosa em flor no início da madrugada. Saio do transe. O espinho de peyote entra na minha carne delirante fazendo estrago. Ela senta, cruza as pernas. A barra do vestido azul levita até metade das cochas volumosas. Ela olha para mim com curiosidade. De observador a observado. Ela desvia o olhar. Será que lê pensamentos? Raio X de pensamentos? Viro para meu torturador imaginário e confesso.- EU SOU CULPADO, EU SOU CULPADO! O Borges fica para outro dia. Entra uma  bibliotecária gorda e velha que até então se escondia atrás da estante. Eu lhe pergunto: -  Não servem uísque nessa espelunca? A gorda com ar de enfado não responde. A loira sorri. Nessa hora Borges diria: “a esperança é o mais sórdido dos sentimentos”.

LUIZ TINOCO CABRAL

sexta-feira, 13 de março de 2015

O MATADOR DE POODLES BRANCOS




Sou brasileiro, solteiro, veterinário aposentado por invalidez aos 38 anos. Não sei como isso foi acontecer? Só me lembro do meu último trabalho. Estava numa fazenda em pleno ato de combate à miíases cutâneas(bicheira) de uma vaca Jersey quando desmaiei e acordei no hospital. Depois disso nunca mais trabalhei. Moro com meus pais e não sou feliz em plenitude, a não ser em alguns momentos especiais conforme vocês verificarão no desenrolar dessa estória. Fui diagnosticado como esquizofrênico mas é mentira. Esses médicos da Previdência Social não entendem nada. Uns merdas! Aliás quem pode dizer que entende alguma coisa nesse mundo sem sentido e nesse País de bosta?

Sempre acordo tarde! A manhã me entedia, me lembra a infinidade de horas em que vou ter que encarar o nada o vazio da minha vida de aposentado. Então ligo o computador e fico nas redes sociais vendo o vazio da vida dos outros. Quanta banalidade.... A vida é banal, mas nessas redes sociais observo o quanto o ser humano é fútil, egocêntrico e egoísta.

Pois bem! Sempre posto alguns comentários políticos para passar o tempo. Acho que política é importante, faz parte e divulgar alguns pontos de vista contra a insegurança e a violência podem ajudar na construção de um mundo melhor. Sou entediado não alienado e por incrível que pareça ainda acredito no ser humano. Ninguém curte os meus comentários. Também não faço questão. Não quero ser apreciado por essa bandalheira de boçais que postam fotos da última viagem  a praia, vídeos de esqui em  Bariloche, mensagens de otimismo, aniversário de casamento, declarações de amor e outras coisas desprezíveis. Não, não...

Mas o que eu odeio mesmo é foto de cachorrinho. De cadelinha, de shitzu, de poodle... que coisinha mais desprezível....Que droga, o suposto amigo além de ter um animal de estimação que  só serve pra defecar no jardim alheio tem que torrar a nossa  paciência????

Existe uma infinidade de infelizes dizendo nessas redes sociais que amam mais animais do que pessoas, mostrando fotos de animais e dizendo que são lindos, pedindo ajuda para encontrar cadelinhas perdidas, típico comportamento pequeno burguês num País onde temos 20,4 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes. É de estarrecer. Por isso que no curso de veterinária me especializei em animais de grande porte, vacas, bois etc. Esses pelo menos tem uma serventia. Servem para comer, para fritar bife, churrasco.

Também sou apaixonado por armas. Tenho uma coleção aqui no meu armário. Mas gosto mesmo é da minha Barret M82A1 com mira telescópica e silenciador. O legal dela além do seu formato anatômico e militar é que seu tiro pode atingir até 2 kilometros e meio de distância. Sem contar a aproximação da mira e a sua efetividade. A minha tem até nome. Bartira. Toda noite tiro a Bartira do armário e durmo com ela bem abraçadinho (e descarregada é claro porque não sou bobo). Trato-lhe como uma mulher de verdade. Garanto que é bem menos belicosa. Mulheres de verdade me dão medo, não gostam de mim mas também não dou nenhuma importância. Não necessito delas; me satisfaço sozinho com muita competência,imaginação e gel lubrificante. Aliás se for pensar mesmo não necessitamos de ninguém nessa vida vazia e passageira. Se a necessidade faz o homem no meu caso esse ditado velho não se aplica. Coisa de pederasta.

Pois bem, só de brincadeira coloquei a Bartira num case de violão e comecei a perambular pelo centro da cidade me misturando com essa corja de infelizes que seguem andando e comprando e contratando advogados, marcando consultas com médicos e dando importância excessiva à vida e seus pequenos problemas. É incrível como é fácil andar com uma arma de alto poder lesivo e não ser  notado sendo confundido com um pobre músico indo para um ensaio ou apresentação qualquer.

Cumprimento policiais com semblante de “homem do bem” na maior cara dura. Confesso envergonhado que tenho sempre uma ereção nessas ocasiões. Sou um grande artista e capaz de passar incólume e despercebido nas grandes multidões de cretinos. Um gênio travestido de homem comum. Aliás modéstia é para os fracos!!

Mas vamos aos fatos. Assim como é fácil andar com uma arma pelo centro da cidade sem ser notado é muito fácil subir nas coberturas dos edifícios comerciais, armar um  suporte e acoplar a Bartira. É sempre da mesma maneira. Falo na portaria  que vou em um escritório de um advogado qualquer e me dirijo para a cobertura no último andar que, ao contrário dos países evoluídos, no Brasil não é aproveitada para nada  – mero suporte de caixa d’agua, sujeira e entulho. Um espaço vazio e sem vida. O ambiente perfeito para meu divertimento.

No começo ficava horas no parapeito mirando  para cãezinhos de todos os tipos, chihuahuas coloridos, pinschers enrustidos, chow chows peludinhos, lhasas atrevidos, poodles de todas as cores, pretos, marrons, brancos.....e assim me divertia até o final da tarde e ia para casa me sentindo o senhor do destino de tão repugnantes criaturas. Deus cometeu erros crassos no momento da criação, mas esses bichinhos inúteis....

Um certo dia involuntariamente quando mirava para um poodle branco o gatilho disparou. O tiro acertou em cheio na testa do pequeno cão que morreu na hora e seguiu arrastado pela calçada e puxado pela coleira  por 50 metros até que a sua distraída dona se deu conta do fato. Lá embaixo uma enorme aglomeração, choro desmedido, comoção popular. Em cima do edifício  experimentei o maior êxtase de toda a minha vida. Uma sensação de plenitude, um lampejo, uma razão para viver. Enfim um sentido para a minha existência. Rapidamente desarmei a Bartira, guardei-a no case e fui para casa sorrateiramente. Passei ao lado da cena do crime, exercitando o meu dom artístico com ares de comoção. O crime foi perfeito, a nossa polícia incompetente jamais cogitou quem poderia ser o autor do disparo, sequer investigaram a trajetória da bala. Com certeza pouca importância deram para a morte de um mero cãozinho de madame.

Foi fácil. Diria extremamente fácil mesmo odiando o Rogério Flausino, aquele merda!

Sigo com a minha missão é claro com variações de cidades, centros, edifícios, com bom espaçamento entre um assassinato canino e outro para não causar suspeitas. Afinal aposentado e preso está fora de cogitação. Eu não agüentaria  o tranco e o convívio com os demais detentos nem mesmo em cela especial por direito. O ser humano é difícil. Seria muita humilhação para um artista e gênio como eu.

Matei cães de todas as raças, até mesmo cachorros maiores como Doobermans, Filas e São Bernardos. Muitos me agradeceriam se soubessem.... 

Porém por uma dessas vicissitudes sem qualquer explicação plausível, reparei que  o êxtase maior motivador da minha missão só ocorre quando mato poodles brancos. (???)

Desde então me especializei em poodles brancos. Uns dizem que é uma raça francesa porém a grande maioria acredita ser alemã. É considerada uma das raças mais inteligentes do mundo. Talvez seja esse o mote para a minha obsessão inexplicável. Preciso anotar  para a próxima sessão de terapia.

Frisando é claro que  esse meu terapeuta também não entende nada. Um merda!!! A única pessoa que me entende nessa vida é a Bartira, minha amada, minha companheira, minha confidente. Mas isso já é outra estória...



LUIZ TINOCO CABRAL