segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Desconstruindo Bukowski (monólogo em dois atos)

Numa pequena sala de aula com um espelho uma velha poltrona, algumas cadeiras de aula quebradas, um café, cafeteira velha, bolacha cream cracker e um copo com água, Chinaski começa a falar para si e para o vento com tom de desprezo. delírio e ressaca.(ao fundo a música “The end” do The Doors bem baixinho – versão instrumental ou repetição reiterada do solo ou qualquer música melancólica do Tom Waits ou Johnny Cash ).


Começa então o monólogo – entra CHYNASKI falando:
1º. ATO

- Compromisso enfadonho, medonho, camarim improvisado, fudido mesmo!, faculdade interiorana, sem grana, implorando para os céus, para o meu “cicerone” afrescalhado lembrar que o palestrante em questão sou eu... “HENRY CHYNASKI”;e que com café fraco e bolacha cream cracker a palestra simplesmente não vai rolar, não, não, não vai rolar legal. Diria até impossível. Improvável....E as dez horas da manhã? Quem foi o infeliz que marcou essa porra! Deve ter sido o cicerone bichinha. O que me leva a divagar, devagar...agora tudo é devagar...(a idade é foda): O que eu não faço por 100 pilas, um quarto de hotel barato e um bom rabo!

(olhando para o lado do palco)

“- O meu amigo, cumpâdi, meu irmão, meu chegado, sabe que fui com a tua cara? Tem como mandar aqui um uísque, um conhaque, que seja um bourbom barato, álcool 90, gasolina, etanol ou mesmo um vidro de perfume qualquer?

(volta a falar sozinho)
“É este o problema com a bebida.. Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece algo de bom,bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que aconteça qualquer coisa”

Fico aqui nesse desacontecimento profundo....melancolia profunda...com uma sede do caralho e uma “melancia na bunda”.
Agora tenho que falar com esses “estudantes de literatura”...que porra é essa!? Literatura não se aprende nessa merda de catedral gótica e fria do inferno! Escritor que é escritor tem que levar é MUITA PORRADA MESMO pra ver se aprende sobre a vida sobre a morte, azar, sorte. A merda desta vida não é para amadores não...não... Tem que levar porrada desde criança. Sentir o desprezo de seus pares... ou seriam os ímpares? Nunca achei um ser vivente capaz de apaziguar a minha dor nessa terra de ninguém. Nenhum que chegasse perto da minha “genialidade” que seja, vá lá(modéstia é para os fracos).... Graças aos céus!!! Um Chinaski só já é demais. Mas não estou nem aí não! NÃO! Nunca precisei de amor....compaixão...gratidão....isso é para suburbanos que não podem ouvir a palavra CÚ.

Já fui casado, amigado, juntado com toda a fauna e flora do mundo, até flertei com o amor e paixão com aquela louca linda que enfiava espetos pelo corpo todo e foi embora para sempre. Como era o nome dela mesmo? Mas definitivamente não me venha falar de amor. Fora! Fora! FORA!!!!!! “O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece”.

Aliás que vontade de subir naquele palco agora e mandar todo mundo tomar no cú. Virar para a estudante mais gostosinha e tentadora e falar de forma bem lasciva. “– ô gostosa? Sabia que você é um tesão?, larga de perder tempo e vem aqui me dar esse seu cuzinho agora mesmo que eu vou te ensinar o que é literatura na prática. A litera dura. O “segredo” jamais revelado Ah Ah Ah!!!!! E sem vaselina heim? Ah Ah Ah você vai adorar sua puta!” Antigamente eu era capaz dessas coisas e as pessoas ficavam chocadas! Antigamente eu até me fingia de nazista para ver a reação óbvia do lugar comum. Hoje só faz parte do meu show de velho escritor decrépito. “O velho safado”.Tudo é “showbuzzines”, celebridades....Bem provável que depois que eu morrer esses filhos-da-puta mandem colocar uma estátua em minha homenagem em praça pública. Já estou até vendo os meus cacarecos expostos na Livraria Harlington.;vão estudar as minhas merdas e meu “delirium tremens” em universidades.Falsos...hipócritas....vendidos.

Hoje infelizmente é isso: 100 pilas e a seco. AGUA E CREAM CRACKER! é isso que estou valendo! Ainda se fosse um pãozinho com mortadela... E tenho que suar muita cerveja velha e barata pra subir naquela merda agora e “entreter” esse bando de boçais para pagar o aluguel do fim do mês.Boçais tá sabendo. “Tá ligado manoooo!.” Boçais. Todos uns boçais.

Tempos atrás casei com uma caipira/interiorana/rica/boçal e ninfomaníaca só de sacanagem.....é....todo mundo achava que eu queria a grana dela. Mas na verdade eu só queria tirar uma onda ...é....também sou filho de Deus...(esse filho-da-puta). Só que por óbvio também não deu certo. Ela também não agüentou o tranco. Tinha estomago fraco.

De sacanagem uma vez comecei uma conversa nonsense com a vadia:

“O que há de errado com os cus baby? Você tem um cu, eu tenho um cu, você vai ao mercado e compra um pedaço de filé, que é parte de algo que um dia teve um cu! Os cús cobrem a terra! De certa forma até as árvores têm cus, mas a gente não os vê, elas apenas deixam cair as folhas, seu cu, meu cu, o mundo está cheio de bilhões de cus, o presidente tem um cu, o garoto que lava os carros tem um cu, o juiz o assasino têm cus...até o alfinete roxo tem um cu!”

É não é que a suburbana vomitou? Não agüentou o tranco. Estômago fraco. Vadia.

(...pausa – olhar perdido – sério)

Lembro quando meu pai me batia e eu engolia a seco. Não derramava uma lágrima para aquele desgraçado. Não...não...nunca derramei lágrima para ninguém. Depois, vieram as espinhas, a feiúra e comecei a arrumar emprego a torto e direito para me “enquadrar” só para conseguir comer mulher. Um vendido. Um fingido. E era massacrado pelo sistema, pelos estúpidos...pelos capatazes...pelos encarregados.... ados...ados...ados VIADOS. Trabalhei em matadouros, correios e até para a Cruz Vermelha. Se arrependimento matasse.... “Que tempos penosos foram aqueles: ter a vontade e a necessidade de viver mas não a habilidade” Se bem que esse negócio de arrependimento é coisa de boiola não é? Ou não? É? E para extravasar um pouco ia para casa beber bebida barata. E para agüentar a benga entrando e o exame de próstata nosso de cada dia passei grande parte da minha vida emendando uma ressaca com uma bebedeira, com uma porrada, com uma ressaca, com uma bebedeira, com uma porrada....e por aí fui...até aqui... agora... nesse camarim fudido. Como é que eu ainda achei tempo para escrever esse monte de asneiras? Trinta e tantos livros muitos deles de poesia....loucura pouca é bobagem mesmo.

Bobagem? Quantas vezes não flertei com o suicídio em quartinhos minúsculos com venezianas fechadas. Quem mandou nascer na estrada na contramão, numa estrada infernal cheia de caminhões? Esse é meu problema. Nasci na época errada. Pacifista enquanto todo mundo era belicista, da contracultura enquanto nem sequer existia a palavra contracultura. O “underground” sozinho levantando a bandeira do fracasso enquanto todos almejam e almejavam o “sucesso” a qualquer preço. Sucesso? Que porra é essa?

Nos primórdios, subindo a rua numa noite chuvosa e fria me deparei com um mendigo sujo, cabelos enormes e desgrenhados enrolado em um cobertor grosso, felpudo, xadrez e fumando um baseado. Seus olhos eram azuis. Foi quando eu vi o que eu queria ser, o que eu queria ser...pelo resto da minha vida. Um vagabundo andarilho. Então comecei a escrever uma vez que esse era o caminho mais fácil para alcançar o meu intento. Quem ia querer ler um cara fudido como eu? E não é que hoje essas criançinhas aí fora gostam???? As gostosinhas que na hora “h” não querem me dar? E se eu vomitar em público daqui a pouco é bem provável que eu até seja ovacionado... Vai entender o ser humano(???);

Aliás nunca me considerei um ser humano. Nunca! Nunca quis participar de festinhas...confraternizações....”estar com meus pares”...ou seriam ímpares? Sempre gostei de beber sozinho, escrever sozinho, tudo sozinho... “Não, eu não odeio as pessoas. Só prefiro quando elas não estão por perto.”

E certa feita fiquei cinco anos sem sexo, só na punheta..., no mano a mano, na masturbação.....para não ter que implorar uma bocetinha qualquer, um cuzinho que seja. Isso seria se rebaixar de mais até mesmo para um cara fudido e feio como eu. E não é que quase enlouqueci? Loucura? Quem é louco aqui heim... heim... heim?

E então cheguei a inelutável conclusão: A única coisa que não dispenso nessa vida, como já disse é um bom rabo. Não tem como dispensar. Aliás acho que escrevo só para isso. Pra não ficar pensando em rabos o dia inteiro, ou talvez para teorizar os rabos que passam na minha mente, nas ruas, nos pontos de ônibus. No cú do judas. Quantos ônibus sem destino eu peguei para simplesmente prolongar o contato visual com tão adoráveis e tentadoras criaturas. O perfume natural... A mulher é a maior invenção do criador.
Esse criador filho-da-puta. Arregão! Uma vez eu chamei ele pro pau e ele não veio. Covarde! Fica aí escondido nas suas nuvens colocando essas gostosas para me tirarem do prumo porra! Deus é o caralho!

Nossa...quase ia me esquecendo dos cavalinhos...ahhh,.depois das mulheres a melhor coisa que o criador colocou na minha vida foram os cavalos de corrida. Principalmente os azarões que pagam 9 por 1 . Principalmente nos dias de sorte que não foram poucos....Aliás, melhor dizendo, sorte é para principiante não é?. Eu sei o que é ser um azarão vencedor. Basta olhar os dentes OS DENTES. Jóquei nenhum é capaz de estragar um animal e sua sina de animal, azarão e vencedor. LIVRE, LIVRE porém SEMPRE com um idiota baixinho e desprezível nas costas SEMPRE, diga-se. Vivemos, corremos e morremos e é só. E não há nenhuma glória nisso. E essas criançinhas ficam aí “teorizando” “esquematizando” “escrevendo teses” que nunca serão lidas, fazendo “oficinas”, indo à palestras.... Que vontade de falar para elas com todo o meu desdém: “Sinta mais. Pense menos”.

Uma vez me perguntaram o que era necessário para se tornar um grande escritor. Falei para o imbecil que ele deveria sair, ir para o hipódromo tomar uma cerveja e passar uma tarde apostando nas corridas. O filha-da-puta achou que era brincadeira! E não era. Nunca esses idiotas vão me entender. NUNCA.

Ahhhh....esses infelizes “jovens” querem conselho? Querem? Então toma lá, vamos ao ensaio:(com sarcasmo ensaiando a palestra) Você que é jovem e gosta de litera dura, digo, “literatura” - “Vá para o Tibet. Monte um camelo. Leia a bíblia. Pinte seus sapatos de azul. Deixe a barba crescer. De a volta ao mundo numa canoa de papel. Assine um jornal. Mastigue apenas com o lado esquerdo da boca. Case-se com uma perneta e se barbeie com uma navalha. E entalhe o seu nome no braço dela. Escove os dentes com gasolina. Durma o dia inteiro e suba em árvores à noite. Seja um monge e beba chumbo grosso e cerveja. Mantenha sua cabeça dentro d’agua e toque violino. Faça uma dança do ventre diante de velas cor-de-rosa. Mate seu cachorro. Concorra à prefeitura. Viva num barril. Rompa sua cabeça com uma machadinha. Plante tulipas sob a chuva. Mas não escreva poesia.”

Se alguém tivesse me dado esse conselho minha vida teria sido outra....agora é tarde! Agora fudeu de verde e amarelo!

E essa bichona que não me traz a bebida?...daqui a pouco vou começar a tremer....e quando isso acontece não respondo por mim. Sou bem capaz de virar as costas e simplesmente sumir nessa porra de cidade que sequer lembro o nome. Ai Meu Deus filho-da-puta lá se vão as 100 pilas do aluguel...

Não sei quanto às outra pessoas, mas quando me abaixo pra colocar os sapatos de manhã,penso,Deus filho-da-puta, o que mais agora ?”

Nomes? Nomes? O que são nomes senão uma imposição de alguém que pensa que entende o que ninguém entende e nunca vai entender!? Um sonho estético e patético de uma vida sob controle. Apropriação indébita. A vida inteira tentando fugir de imposições mas não consigo me livrar delas.(???) Virei um nome. Um totem. Um consolo gigante. Com o passar dos anos o pinto vai caindo, caindo, caindo e o nome vai subindo, subindo, subindo....como uma pipa. Sequer sou gente em carne e osso. Um Dostoievski, um Whitmam qualquer.... Um nome “para a posteridade”. “Chinaski O bêbado, louco e safado que escreve sobre a própria vida de merda”.

E como fico puto quando alguém me chama de “beatinique”. Beatinique o caralho bando de maricas pagando pau para um Buda mole filho-da-puta!!!!! “Preciso mais do que colares hippies, uma barba, um turbante indiano e maconha legalizada” Meu negócio é Mhaler...Brahms.... buceta! MUITA BUCETA!!!!

E por falar em buceta cadê o álcool Meu Deus? Você está sempre de brincadeira heim? Filho-da-puta!!!!! Sai daí...saí daí...vem....covarde....COVARDE. (levanta-se com gestual de luta olhando para o alto)

Cicerone entra e fala(ou voz em off) Ou o próprio Deus em off: -Chinaski entra....entra agora...a platéia está ávida pelos seus ensinamentos

Apaga a luz – o cenário muda agora é um banquinho e um microfone e uma mesa. Começa o

2º. ATO

Entra Chinaski ovacionado: ao terminar os aplausos, com cara de contrariado Chinaski fala desanimado

- Bom dia! (mais aplausos – pode ser uma gravação de aplausos)

(Chinaski então vomita homericamente ) deitando-se no chão e contorcendo-se (platéia Ohhh!!!!!!!)

Levanta-se todo sujo e acabado (silêncio) Olha por longo tempo para os olhos de todos(na platéia) de forma embasbacada e finalmente diz:

“-Cheguei numa fase da minha vida que vejo que a única coisa que fiz até agora foi fugir, fugir de mim mesmo, do meu nada, e agora não tenho mais para onde ir, nem sei o que vou fazer, fui péssimo em tudo” (silêncio).......

(A peça pode acabar aqui como uma incógnita ou continuar com o personagem vestindo novamente o personagem com o diálogo abaixo)

- e você aí na última fileira...tá olhando o quê babaca! Vai encarar? Aliás e aproveitando o ensejo porque Vossas Senhorias não vão tomar nos seus digníssimos cús, bando de filhos-da-puta!!!! Não têm nada melhor para fazer não?

(derruba o microfone e o banquinho a mesa, abaixa as calças mostra a bunda ONDE ESTÁ ESCRITO FUCK YOU , rebola, vira e saí de cena).

(APLAUSOS EFUSIVOS – FOGOS DE ARTIFÍCIO – HINO DOS ESTADOS UNIDOS)

FIM.

Luiz Tinoco Cabral 11/06/12

* os apartes em itálico, negrito entre aspas concomitantemente são frases de autoria de Charles Bukowski e extraídas de seus vários livros. (seria legal um efeito cênico para pautar a peça e ressaltar as citações do restante do texto)