quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Pedro Juan Gutierrez em três livros





Em tempos de Cuba na ponta da língua da mídia e de ponto final da era Fidel Castro(será?), necessário resgatar esse escritor que demonstrou toda a instabilidade da ilha, seu regime de ditadura socialista bem como toda a instabilidade daqueles que lá residem, inclusive o escritor, sem deixar de ressaltar o fascínio pela ilha. Tipo:"me bate mas eu te amo".
Em "Trilogia Suja de Havana" temos um relato visceral da vida do próprio escritor, cercado de sexo, excrementos e muita bebida e drogas; acompanhamos o mesmo pelas suas "bad e good trips" pelas ruas sujas de Havana, bem como pelos corredores dos edifícios do Malecon, limpando a bunda com jornal e jogando o papel nas coberturas improváveis de tempos de outrora, levando a vida possível, passeando em carros da década de 50, fazendo bicos, se prostituindo, e buscando o prazer imediato para satisfazer a falta de compromisso com o futuro, o ápice do descompromisso com a vida e seus objetivos.
"Sexo não é para gente escrupulosa. Sexo é um intercâmbio de líquidos, de fluidos, de saliva, hálito e cheiros fortes, urina, sêmen, merda, suor, micróbios, bactérias. Ou não é. Se é só ternura e espiritualidade etérea, reduz-se a uma paródia estéril do que poderia ser. Nada".
Não ia dizer mas vá lá! A comparação com Bukowski e Henri Miller é inevitável, porém com uma dose de latinidade, cores mais vivas e calientes.
Num segundo tempo me deparei com "O Rei de Havana" onde um anti-herói fictício que perambula pelo mesmo ambiente miserável de Havana e cercanias porém com um texto meio realista com momentos de realismo fantástico, situações fictícias beirando o absurdo da degradação física e moral que fatalmente culmina com a morte do protagonista.(sem qualquer moralismo – aponta apenas a verdade nua e crua).
Não gosto de ser desmancha prazeres, mas para aqueles que não vão ler o livro , e para aqueles que vão(sacanagem!) apresento o seu final, que para mim é o que ficou e é uma síntese do que acabo de falar:
"Sua agonia durou seis dias com suas noites. Até que perdeu os sentidos. Por fim morreu. Seu corpo já estava apodrecendo por causa das úlceras feitas pelos ratos. O cadáver se corrompeu em poucas horas. Chegaram os urubus. E o devoraram pouco a pouco. O festim durou quatro dias. Foi devorado lentamente. Quanto mais apodrecia, mais gostavam daquela carniça. E ninguém jamais ficou sabendo de nada."
Livro menor do autor comparado ao anterior, mas de leitura obrigatória para compreender a trajetória de Pedro Juan Gutierrez.
Agora retomamos o texto em 1ª pessoa. O autor já um pouco mais famoso(Até o Supla se apropriou indevidamente do "papito") mas sem abandonar sua Cuba, escreveu o relato de sua experiência com uma fã sueca e seus dias no 1º mundo como "escritor convidado". O livro "Animal Tropical" para mim é um dos melhores. Pedro Juan narra de forma hilária, muitas vezes trágica, às diferenças existentes entre o "Animal", latino e o "humanismo" Europeu, ressaltando as diferenças em todos os campos, principalmente no campo da sexualidade.
Imaginem um cubano nú, fumando charuto e bebendo rum na sacada de um edifício de três andares de sua amante sueca em Estocolmo? É como se o Homem das Selvas retornasse à civilização.
E nesse jogo de contrastes e diferenças o livro se sustenta muito bem, culminando com o retorno do protagonista e escritor à sua adorada e deteriorada Cuba não suportando o "bem estar" asséptico do mundo nórdico e Europeu, do 1º mundo do tédio, das facilidades da internet, e-mail(até isso é novidade para ele), das ações indenizatórias, da falta da liberdade de expressão.
No fundo temos que fazer uma alto crítica já que de certa forma também somos animais tropicais e Cuba não está tão distante de nossa realidade. (eles não tem pasta de dente, desodorante, mas pelo menos têm saúde, educação, cinema...) . Quanto saio do Brasil também tenho a mesma sensação de deslocamento, de apego a toda esta bagunça, esta esculhambação generalizada. Um livro que trata também desse assunto, porém de forma romanceada é Budapeste, de Chico Buarque, essa coisa do estrangeiro, do viajante...mas aí é outra estória.
Preciso retomar a leitura de Gutierrez, já que estou um pouco por fora das suas produções atuais. Já saiu o "Mucho Corazón"? Comentários e dicas por favor!
Um pouquinho de informação: "Pedro Juan Gutiérrez(1950, Cuba) foi vendedor de sorvetes, soldado, instrutor de natação, trabalhador rural, locutor de rádio e jornalista entre outros ofícios É escultor, pintor e autor de vários livros de poesia. Com Animal Tropical , conquistou o Prêmio García-Ramos de Romance 2000, para obras em língua espanhola"

"Vamos dormir que as visitas querem ir embora" Fuad Hanna

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