quinta-feira, 23 de julho de 2015

DANDO UM GÁS NO MUNDO



Luiz Faro Zéfiro da Silva nasceu e passou quase toda sua vida  na pequena cidade de Brisas do Sul, no estado de Minas Gerais. Um homem simples, de poucas palavras, trabalhador rural, cabelos ralos, franzino, olhar distante e sonso, com bem vividos 50 anos a base de muito repolho, couve-flor, nabo, cebola, maça crua e ovos de galinha caipira. A personificação da tranqüilidade bucólica do povo mineiro. A noite depois de seus afazeres no curral da Fazenda Ventania, gostava de sair com os amigos e ir nos bares de esquina para tomar um pouco de cerveja Caracu, que estranhamente misturava com Coca-cola para espanto de todos.

 Depois de umas e outras o pacato trabalhador rural  transformava-se no potente Luizoco, o oco mais temido do estado, quiçá do País. Tal alcunha lhe foi conferida com méritos devido ao potente e sonoro flato  que só ele tinha, capaz de fazer estremecer a terra como um terremoto de grandes proporções e  derrubar garrafas das prateleiras dos bares que freqüentava.

Lá pelas tantas e depois de muita Caracu com Coca, era só alguém começar, para o coro dos bêbados entoar: .” – Oco Oco Oco solta um grande aí Luizoco. Oco Oco Oco solta um grande aí Luizoco...”

E numa performance apoteótica, depois de 30 segundos de suspense e mistério, Luizoco soltava um persistente peido meteorológico de trovão acordando os bêbados que a essa altura insistiam em levar um tête a tête com às mesinhas do bar. Todos alegravam-se e riam admirados de tamanho e incendiário dom e iam para casa felizes, assim como Luizoco que ia dormir orgulhoso e satisfeito por poder proporcionar um pouco de alegria às pessoas sofridas de sua pobre comunidade.

Sua fama espalhava-se como rastro de cobra n,água, desde os rincões das fazendas mais escondidas da região até chegar ao gabinete do Prefeito da cidade que, sabendo da fantástica estória e do famoso peido sete tiros, resolveu tirar proveito eleitoreiro da situação convocando formalmente Luizoco através de ofício escrito para comparecer a uma reunião urgentíssima e secreta   na Prefeitura;

- Seu Luiz, bons ventos o trazem, satisfação recebê-lo aqui no gabinete da Prefeitura.

- Parzer é todo meu seu Perfeito.

- Pois bem, sente-se aí que eu vou  direto ao assunto que, como o Sr. Sabe, não sou homem de meias palavras.

- Pois pó sortá homi de Deus, sô todo orvido

- Fiquei sabendo que o Senhor tem um  peido queima olho assassino que entoa mais alto que labareda em canavial ah ah ah  é verdade?

- Se o povo fala quem sou eu pra desdize!!!

- Pois então homem de Deus, o Senhor é um homem de sorte, temos que valorizar os talentos da cidade, mormente um talento assim, como o seu, tão, digamos, peculiar, “sui generis” .

- Pois diga o que c qué  logo omi de Deus para de dizê parlavra difíci.

-   O negócio é o seguinte, meu secretário de eventos e turismo descobriu na internet, que vai ter daqui a um mês na Europa  um campeonato mundial de flatulência, em resumo, ganha o peido mais barulhento, com medição por aparelho e tudo e gostaríamos de enviar o Senhor com todas as despesas pagas pra representar a cidade e o País nessa jornada. Dinheiro não é problema, pagamos tudo, hospedagem, inscrição, avião....sem contar o portentoso  prêmio em dinheiro para primeiro colocado que será todo seu.

- Vixi homi de Deus nunca andei disso não. Vião é pobrema tô fora, sartei de banda, num vô mesmo. Ce é besta sô....

- Mas como assim Seu Luiz? Vai ser a sua glória. O Sr. vai entrar para os anais da estória desta cidade. Se o Senhor ganhar, Brisas do Sul vai ter a tão esperada projeção internacional que tanto sonhamos, podemos então até criar um campeonato local, quem sabe até trazer o mundial para cá, seu talento é indiscutível o Senhor vai conquistar o mundo meu caro e Brisas do Sul vai crescer de vento em popa.

- Disculpa seu perfeito, sua intenção é boa, mas vião não dá; Num vo mesmo e tenho dito, e agora cum todo respeito, tenho que ir andando cuida das minha vaca e cume meu repolho que eu to cuma fome du cão, passar bem, um bom dia pra vosmice.

De forma abrupta e inesperada Seu Luiz virou às costas e saiu da Prefeitura decidido, deixando o Prefeito pasmo e boquiaberto. Vai ter medo de avião assim no inferno, pensou o Prefeito e voltou aos seus enfadonhos  afazeres diários.

No caminho para casa Luizoco encontrou a sua musa chamada Rosinha, balconista da venda de secos e molhados do Seu Manuel, mulher nova, de fino trato e belas curvas por quem ele vivia arrastando suas asinhas sem o mínimo êxito. Pra impressionar a moça contou que estava saindo do gabinete do Prefeito, do honroso convite para representar a cidade e o País e por fim sua digna recusa. E está lhe falou com toda a sua educação de berço:

- Pois saiba que tu és um borra botas, perdeu a grande chance da sua vida de merda. Frouxo do caralho. Bunda mole! Ah ah ah.

Indignado, cabisbaixo  e com o peito em frangalhos Luizoco que é católico mas com um pé no terreiro, foi consultar seu babalorixá de candomblé que após várias cantilenas, cafungadas e fumegadas lhe disse em tom professoral, de forma profética e com olhar vazio  e perdido no espaço esotérico;

- Misifiu, não existe ateu em pane de avião. Mas desse mal c num morre não. Vai com fé misifiu pra conquistá o mundo e dela o coração;

E foi pensando no seu amor que ele disse sim ao Prefeito, dedicou-se aos treinamentos,  venceu seu medo com doses cavalares de calmantes e sedativos, atravessou o oceano e desceu na Finlândia na cidade de Utajärvi para representar Brisas do Sul e o Brasil no primeiro e único Campeonato Mundial de Flatulência.

Chegando no aeroporto de Helsinque, todo o esforço e superação empreendidos valeram a pena. Luizoco foi recebido pelo embaixador brasileiro local com honras de estado e salva de 21 tiros de canhão, diga-se, muito fraquinhos, perto dos seus próprios petardos, pensou.

No caminho para a cidade de Utrajarvi, num belo carro, numa bela estrada, em companhia do afável embaixador, que desde a chegada mostrou-se um ótimo aliado e parceiro, Luizoco foi apreciando a bela paisagem, os lagos enormes e suntuosos, as montanhas cor de giz tão diferentes dos chapadões mineiros, bem como foi checando os itens em sua matula e todo o equipamento de preparação para o grande desafio que ainda estava por vir.

Estavam lá, às calças e cuecas com fundilhos reforçados, os ovos de galinha caipira, cebolas da roça, nabo da terra, couve-flor, maçã crua, repolho e vários litrões de Coca-cola, bem como o indispensável e até então insubstituível engradado de cervejas Caracu.

Pois bem, chegando na bela cidade foram direto para o local do evento que já estava começando. Ás regras eram bem simples, baterias individuais e eliminatórias, três minutos para cada competidor expulsar os gases pelo ânus em porções anormais provenientes do aparelho gastroentérico , ou seja uma distenção voluntária ou involuntária  do estômogo ou dos intestinos por ar ou gases com o intuito de produzir o maior ruído em decibéis possível medido por um decibelímetro e avaliado pelo corpo de jurados composto por um fonoaudiólogo, um otorrinoralingologista e um engenheiro em segurança do trabalho. Obrigatório o uso de calças ou bermudas e proibido expelir fezes sob pena de eliminação.

Luizoco não estava entendendo absolutamente  nada até que seu parceiro embaixador esclareceu às regras com toda a sua diplomacia a là Arnaldo César Coelho.

- A regra é clara: quem peidar mais alto ganha!!!

E dito e feito lá estava ele cônscio de sua missão e  no meio dos maiores peidorrentos do mundo, todos com um perfil físico e psicológico muito parecido, gordos, fortes, negros, brancos, muito amarelos, suados, barbudos, fedidos, malvados o que causou um certo constrangimento já que só Luizoco era um típico mineiro mirradinho e sonso, destoando sobremaneira  dos demais. Assim sendo, a princípio, ninguém colocou muita fé nos seus dotes peidorrísticos, e não entendiam a razão daquele homenzinho franzino ter viajado tanto e estar ali no meio dos maiorais, tomando sua cervejinha caracu com Coca-cola e com aquela cara de Rock Balboa do Sertão mineiro.

Mas bastou a primeira bateria eliminatória para o constrangimento virar a sensação do pedaço.

Luizoco simplesmente humilhou e desclassificou a grande esperança local Tony Phartman. E olha que ele se deu ao luxo de economizar na flatulência emitindo um peidinho pitila e engraçadinho de apenas 85 decibéis. O suficiente para ganhar a parada e não humilhar os donos da casa. Um gentleman esse brasileiro, pensaram eles.

E assim sucedeu-se a cada nova bateria eliminatória,  conquistando fãs de todas as partes, até deu autógrafos para a garotada.Camisetas com sua foto eram as mais requisitadas na lojinha de conveniências.

 Engraçado que enquanto todos os outros concorrentes causavam repugnância e revolta na seleta platéia, Luizoco tinha uma empatia natural com a galera; enquanto o estrondo dos demais causava susto e aversão o seu flato altíssimo e em vários tons tinha ares cômicos trazendo uma incompreensível alegria para o evento. Sua aparição como nos velhos tempos era apoteótica, quase divina. Como se o ato de peidar fosse uma arte relacionada a origem do universo, ao “Big Bang”, o bóson de Higgs. Ademais quem sabe Deus em momento de extrema flatulência não soltou um pum gigante e criou o mundo?

Pois retornemos ao que interessa:

Passaram-se três dias como um vento.... E Luizoco chegou a semi-final para enfrentar aquele que poderia por fim a sua meteórica trajetória.O famoso  Mr. Metano, o campeão inglês. Era um homem forte, alto, nojento e com uma  ridícula fantasia de tartaruga ninja que sinceramente não combinava nem um pouco com o resto do contexto. Deu um peido de 1oo decibéis enorme, só que para sorte de nosso representante  o inglês provido de excesso de vaidade e jactância deu um peido irresponsável, tipo freio de bicicleta e deu aquela enorme e pastosa melada na cueca.

Conclusão: Desclassificação imediata, e vaias, vaias, muitas vaias da platéia, sem contar o desmaio de várias pessoas por asfixia.

E quem diria que ele, aquele franzino mineirinho de Brisas estaria agora na grande final do primeiro e único Campeonato Mundial de Flatulência. O grande dia finalmente havia chegado, mas a parada era duríssima, talvez a maior parada de toda a pacata vidinha do nosso protagonista. E justo no grande dia  o imponderável aconteceu. Ao olhar o engradado ao lado da cama viu que tinha tomado no dia anterior a última cerveja caracu. O líquido que era o seu elixir da vida. A poção mágica que misturada com os demais ingredientes alimentícios era responsável exatamente pelo arroubo sonoro emitido pelo seu nobre instrumento gástrico.

Meu Deus onde poderia ele encontrar uma garrafa de cerveja caracu na cidade de Utrajarvi na região central da Finlândia??? Missão impossível claro.


O seu aliado, companheiro  e agora amigo de todas as horas, o  embaixador correu desenfreadamente por  todas às lojas de cervejas, supermercados, bares e tabernas da região e nada, nada de Caracu.

E Luizoco com ares de derrota,  desânimo e cagaço,, já antevendo uma provável humilhação  não parava de repetir.

“- Sem Caracu nada feito homi, tamo fudido”.

Mas o embaixador que era um homem muito vivido e inteligente, vislumbrando ou ao menos desejando  que tal dependência fosse meramente psicológica, recolheu as garrafas vazias do quarto de hotel de Luizoco inserindo nelas o líquido negro da deliciosa cerveja finlandesa Nikolai, passando desta feita o bom e velho conto do vigário no rapaz peidante.


Contente e confiante ao ver as falsificadas  garrafas de Caracu, num misto de delírio e felicidade Luizoco gritou.

“- Vambora homi. É hoje que eu vou arrebentar as pregas da meu cu de tanto peidar!!!!!!”


E nesse clima quente, tipo, queima olho, os guerreiros entraram em campo para a mais dura batalha:

 Lá estava ele no lado direito do octógono; (ou seria um exágono?) o adversário dos adversários, ex-pugilista, com seus dois metros de altura e  com mal distribuídos 180 kilos de pura banha e gases, o Russo CATIMBRAL, o homem que segundo à lenda carregava um coquetel molotov  no intestino, pronto para detonar as maiores revoluções e rebeliões da face podre da terra. Seu peido, além do ruído altíssimo era famoso por ser o mais catinguelento do mundo, com um odor capaz de espantar os urubus de todas as espécies e  levantar os mortos e as múmias das catacumbas.

E do outro lado, bem, vocês já sabem, Ele, Luizoco, o oco mais temido de Minas Gerais, quiçá do Brasil, que entrou no recinto ao som da música “Eu quero ver o oco”, dos Raimundos. Brilhante idéia do inteligentíssimo embaixador.

E o Russo CATIMBRAL era o primeiro a se apresentar, e assim foi. Após quase dois minutos e meio de concentração, aquele homenzarrão enorme curvou os joelhos como se fosse iniciar uma dança dos cossacos e expeliu um gás pérfido e repugnante com um ruído de 112 decibéis quebrando vários copos na platéia para espanto geral e comentários do tipo: já ganhou, coitado do brasileiro, tão bonzinho......


Enquanto isso Luizoco se preparava tomando sua improvável mistura de coca-cola com falsa cerveja caracu sem sequer perceber a farsa. “Cervejinha xoxa essa? Parece que ta choca?”, pensava ele.

 O embaixador na Tribuna das Autoridades estava tenso. Será que a malfadada farsa vai dar certo? O que será que vai sair dessa bunda Santo Cristo?. Meu Deus rogai por nós. O embaixador além de inteligente era um homem muito religioso.

Mas o mineirinho de Brisas, como um burrão de raça não refugou. Cumpriu sua sina. Subiu no Octógono(ou seria um hexágono)  ao som de “eu quero ver o Oco, eu quero ver o Oco” agora entoado com um estranho sotaque nórdico por sua eufórica e simpática torcida. Idéia do embaixador é claro.

LUIZOCO após a protocolar concentração e 30 segundos de suspense e mistério, , soltou de chofre o seu famoso trovão assassino, aquele que viria a ser considerado por muitos estudiosos do assunto  o maior dos flatos  já produzidos e emitidos na face da terra, quiçá do Universo, se é que extras-terrestres têm o poder sensorial da flatulência. Vai saber. Dizem que o ruído superou os 120 decibéis que é o máximo que o ouvido humano pode suportar  e que a velocidade dele ultrapassou todas as barreiras, chegando a ser ouvido e sentido em diversas partes do planeta e até fora dele em algumas estações espaciais tripuladas. Um verdadeiro terremoto de 9.5 na escala Ritchter, só comparável ao maior terremoto da história ocorrido no Chile na cidade de Valdívia em 1960.

No dia seguinte todos os jornais e mídia em geral eram unânimes em afirmar. UM FENÔMENO, ALGO ALÉM DA COMPREENSÃO HUMANA.

A Revista Times estampou a foto de LUIZOCO com a bem bolada legenda ‘O PELÉ DA FLATULÊNCIA”.

É claro que a fama e a glória entorpeceram e envaideceram muito o nosso herói. Sempre acompanhado de seu amigo embaixador, foi homenageado em grandes festas na capital Finlandesa e com o prêmio conquistado comprou roupas novas, cuecas reforçadas e uma bela lembrança para levar para Rosinha o seu amor, sua paixão. Uma bíblia em Finlandês. Idéia é claro do embaixador.

Aliás o embaixador não podia deixar o amigo sem saber da farsa da Caracu e em uma dessas inúmeras festas de comemoração e homenagens, após tomarem umas e outras,  contou-lhe toda verdade e encerraram a noitada às gargalhadas e tomando é claro a fantástica Cerveja Nikolai nas gélidas ruas de Helsinque. Luizoco inclusive trouxe em sua matula duas caixas da Breja Finlandesa para o Brasil  e só bebe em ocasiões muito especiais.

Chegando em Brisas do Sul foi recepcionado pelo orgulhoso Prefeito, desfilou em carro aberto pelas ruas da cidade, foi ovacionado e teve que repetir exaustivamente nos bares da cidade a mesma estória que acabei de contar acima, é claro que cadê vez com outras nuances, outras 50 tonalidades de marrom  e outras hipérboles muito maiores do que as minhas, além das famosas performances apoteóticas.

Tudo ia muito bem para Luizoco, sua vida agora até parecia um sonho, mas algo ainda lhe faltava....

Mas é claro.... precisava levar o presente para Rosinha, seu grande amor, sua grande paixão. Quem sabe, em contrapartida, um terno abraço, um beijo de júbilo e desejo e admiração pela sua façanha além mar? Afinal ela foi a grande mola propulsora de tamanha jornada o Leitmotiv condutor de toda a estória.

E lá chegando na venda, com o coração pulsando e saltitando freneticamente, com a bíblia Finlandesa  e duas garrafas de Nikolai para presenteá-la, encontrou apenas o Seu Manuel, sozinho e cabisbaixo, contanto o seu dinheirinho no caixa como sempre fazia;

- E aí homi, turdo bem? Quanto tempo heim?  Cadê a Rosinha?

- Pois.... pois, tu não sabes?

- Fala logo homi de Deus?

- MORREU!!!

- MORREU? Mas como? Morreu de quê?

- Intestino preso! Muito triste.... Morreu asfixiada pelos próprios GASES.


autor: Luiz Tinoco Cabral