terça-feira, 31 de março de 2009

marlboro mar mal lobo bar amor bolor rombo orar...


Recomendo sem pestanejar o escritor Perunano Julio Ramón Ribeiro(1929/1994), um dos maiores contistas e "diaristas" peruanos que terá o primeiro livro editado no Brasil pela Cosac/Naif.
Mas não é necessário esperar. Basta comprar on entrar no site da Revista Piauí mês de maio de 2008 para ler o surpreendente conto "Só para fumantes" onde o autor conta a saga de um escritor/fumante desde o início do vício até o término de seus dias e a relação entre tabaco, literatura, vida e vício.
Mas o interessante é que o escritor narra sem querer tirar do conto "uma conclusão, nem uma moral" tanto é que a partir de um certo momento sua história passa a se confundir com a história de seus cigarros e como a literatura tratou o cigarro em suas linhas citando Thomas Mann e Italo Svevo esse último prestando o seguinte depoimento: "Escrever é para mim um ato complementar ao prazer de fumar"
Do Derby para os Chesterfield do Lucky ao Marlboro vamos respirando fumaça...com muita ironia até que o personagem esclarece meio sem querer o mote que leva uma pessoa a fumar ou se dedicar a vícios não saudáveis.
"de nada servia perceber melhor a pureza do ar marinho, o aroma das flores e o sabor das comidas, se a própria existência tinha se tornado insípida"
São ou pequenos venenos necessários que movem as pessoas...que movem o mundo!
Saliento que odeio cigarro! Mas adoro ler um conto bem escrito como este.
Boa leitura!!!!!!!!!!!!

domingo, 29 de março de 2009

Paulo Polzonoff Jr. "O cabotino"

Nós sempre buscamos o popular, o anti-acadêmico neste embate constante contra aos textos chatos da vida. Já fiz oficinas, já li livros de auto-ajuda e foi com grande surpresa que li este pequeno livro “de uma sentada”, que talvez tenha servido mais do que algumas oficinas literárias que participei. Paulo Polzonoff Jr com seu “guia de anti-ajuda para literatos” acaba ajudando muito. Mais vale um sarcasmo na veia do que mil boas intenções placebentas. E nesse espírito nos deparamos com este texto desabafo, esta anti-tese com muito humor, onde o tesão do Roberto Freire fala mais alto do que o tesão dos “doutores” da Usp. Dentre as dicas para pretensos escritores(como eu) temos em suma(mesmo sabendo que Polzonoff Jr. detesta “em suma”): “escrever não é uma atividade lúdica”, necessário afastar “o mito da musa”, muita tentativa e erro, de preferência longe de alucinógenos diversos, longe de ambições pretensiosas e de erros crassos como a narração em primeira pessoa descarada “ninguém quer saber da sua vida” tacanha e medíocre, “escrever é criar um mundo exterior a realidade”; fuga obstinada do lugar-comum(o narrador que cai do céu, reencarnação e, o livro “epistolar” e o “livro-diário” são mesmo de amargar!); assim como o hermetismo e escatologias, falta de pontuação e não-linearidade( em artifícios gratuitos).
O escritor/leitor/crítico ainda dá umas dicas quanto a utilização nefasta da mesóclise, latinismos, “método pelo método”, simplificação demasiada do texto (“a ejaculação precoce literária”), em suma “se você não tem nada para dizer e acha que pode escrever nada e ainda ser aplaudido” por favor desista!!!! Pelo amor de Deus!!!
Sem contar os vernizes, discursos, influências, apêndices, prefácios, foto, capa, noite de autógrafos, relação com a crítica etc...ufa!!! Realmente. Para que ser escritor??? Essa é a pergunta final do livro. Algumas respostas dos antigos e verdadeiros escritores : Ambição de imortalidade....ser o melhor...ser respeitado...
Não sei...assim como Polzonoff conclui que não tem certeza de nada, muito embora tenha suas convicções muito bem abalizadas com a minha concordância quase irrestrita, tenho lá minhas dúvidas. Acredito ainda que as pessoas escrevam para superar exatamente aquilo tudo que ele demonstra com perfeição “quase” acadêmica. A banalidade, a mediocridade e a falta de sentido da existência, sendo que na maioria dos casos a empreitada torna-se uma real “missão impossível” por vários aspectos muito bem sugestionados mas principalmente por aquele que considero o primordial – falta de cultura, leitura dos clássicos, estudo, etc.
Em suma com este belíssimo ensaio e sua “sincera sugestão” Polzonoff não conseguiu desmontar o pretenso escritor aqui. Muito pelo contrário, é deste tipo de debate com clareza que necessitamos.
E ponto final. Ahhhhh gozei precocemente. Maldito ponto final. Eu não resisto!


ps – o livro “O Cabotino” pode ser adquirido gratuitamente no formato e-book no site : http://www.osviralata.com.br/

sábado, 28 de março de 2009

Tezza - O Filho Eterno



auto-retrato


“Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder....” não tem frase mais profética e arrepiante do que este deslumbramento de Cazuza. Mentira. Quando vemos um cara saindo do nada, sem qualquer projeção ou “importância” política, escrevendo um livro sobre o seu filho especial, e arrebatando todos os prêmios literários, passamos acreditar que a vida vale a pena, ou melhor que a arte ainda tem algum sentido para a espécie humana. Pois é, trata-se de mais um livrinho como todos os livrinhos apressadinhos e de espasmos da geração atual. PORÉM COM CONTEÚDO. Conteúdo humano verdadeiro. E da verdade o homem comum não consegue escapar. Cristóvão Tezza nos mostra algo simples porém raro: um homem sem máscaras nos dias atuais. Ademais sei lá se estou falando sobre o livro do Tezza ou da hipocrisia. Mas em realidade observo que os prêmios vieram porquanto todos os “catedráticos” estão fartos de pessoas pasteurizadas e “verdades” mal dormidas. Louco eu? Talvez. Voltemos ao livro. Narração em primeira pessoa de um período da vida do autor que entre o nascimento do seu filho com problemas mentais, entre a luta por sobrevivência de um literato, entre aulas sacais, livros nunca lidos e exílios sem grana observamos a transformação, a redenção e a descoberta da flor de lótus que nasce do lodo e da escuridão, sem escapismos fáceis, sem fuga. Deu portanto no que deu. Como gostaria de escrever com toda esta sinceridade, sem me esconder atrás de palavras, de sentimentos, de bobagens e vaidades. O livro não é fácil, o tema é bem pesado, diga-se. Porém compensa todo o receio inicial e o refugo ante a capa vermelha com letras brancas . Voz nova nas letras tupiniquins. Vida longa a Cristóvão que em recente entrevista disse que agora (com a grana que recebeu) vai viver exclusivamente da literatura. Sinceramente vai morrer de fome! No entanto vai morrer feliz. Cada vez mais entendo que não existe felicidade maior do que fazer o que se quer sem receios, sem intenções dúbias(escrever em esconderijos). Louco eu? Talvez...

desbunde Antonio Bivar pós-desbunde


Depois de 600 páginas e três livros debulhados, “Verdes Vales do Fim do Mundo”, “Longe daqui aqui mesmo” e “O que é Punk?” sinto-me mais seguro para poder falar sobre o autor, seu estilo etc, depois de um longo e tenebroso inverno.
Uma vez vi num filme que não somos nós que escolhemos os livros, mas eles que nos escolhem. Verdade pura.
Os dois primeiros livros citados são memórias do autor Antonio Bivar de um período em que se submeteu a um exílio voluntário na Europa, mais especificamente no interregno que vai de meados de 1969 a meados de 1973. O auge da contracultura, do movimento hippie até a sua derrocada com a declaração de John Lennon - “o sonho acabou” - e o surgimento do rock mais hedonista de David Bowie e Lou Reed/Velvet Underground.
Em contrapartida no Brasil as mentes pensantes se sentiam sufocadas pelo regime militar e suas limitações à liberdade de expressão.
E Antonio Bivar é um observador privilegiado, já que no período era um jovem autor teatral de sucesso, amigo de toda a trupe do meio artístico, com a mente aberta e de um estilo super-afinado com seu tempo, dotado de extrema generosidade para com as situações e pessoas que lhe envolviam a todo o momento. Ou seja, assistiu a tudo de camarote numa época que por uma infelicidade do destino e mera questão de gerações eu ainda usava fraldas e só queria tomar o leitinho da mamãe.
Pois então: Não necessariamente nessa ordem acompanhamos suas indas e vindas do Brasil onde morou em Ribeirão Preto(sua família é daqui) e Rio de Janeiro/São Paulo para a Inglaterra, França, Irlanda..e uma pequena passagem por Nova York. Ficamos sabendo que no dia que Tom e Vinícius fizeram “Garota de Ipanema”, Vinícius fez um sanduíche de galinha para Bivar. Acompanhamos Leila Diniz e sua barriga escancarada em plena praia de Ipanema até desaparecer num acidente aéreo; Norma Bengell fazendo um filme no Mediterrâneo; a timidez de Elis; um dos primeiros shows de Lou Reed; batemos um papo com Nico; uma pequena cena de nudismo por sugestão de Jorge Mautner com participação de Gil e Caetano, Bethania entre outros; A participação do Brasil no Festival da Ilha de Writt; as experiências psicodélicas numa comunidade de Salisburi; o misticismo que envolvia toda aquela geração; a apresentação dos “Doors” no festival onde já se apresentava um Jim Morrison decadente, e depois uma rápida visitinha no “Père Lachaise” no túmulo após um ano de sua morte; O apartamento nada convencional do artista plástico Peticov; os passeios com Rogério Sganzerla e Tereza Raquel, as viagens com David Lovelock; a relação nada convencional com José Vicente; as primeira produções do pai de Cazuza; encontros de elevador com Jane Fonda; as cartas trocadas com Odete Lara; as topadas com Mick Jaeger; o famoso Hotel Chelsea; os museus...as infindáveis festas...as infindáveis figuras tais como Trip um ex “hell-angel” e outros amigos .... tudo com muita ternura.....muita maconha....muito haxixe e pouca bebida já que Bivar era mais adepto dos dois primeiros (+ ácido e lsds eventuais).
Paro por aqui; apenas serve o relato como amostragem, mas com certeza só lendo o livro para vivenciar a atmosfera que tento passar, onde se vivia meses de favor por camaradagem com pouca grana no bolso e muitas idéias na cabeça...em comunidades alternativas.....acampando...sonhando... (Bivar chegou a morar num banheiro de um apartamento de três amigas em Paris)
Nesses livros nos colocamos no auge do desbunde, do experimentalismo, da geração que viveu uma utopia infelizmente com data marcada. É muito satisfatório acompanhar esse momento e esses “heróis” do desbunde que tanto nos influenciam até hoje e tanto deveriam nos influenciar.
Pena que em determinados momentos me via como o único cara naquele momento lendo aquela página. Coisas de um País que cultua outras coisas. Do padre evangélico à casa de massagem nos arredores de Brasília.
Já o livro “O que é Punk?” é um livrinho por encomenda – seria o pós-desbunde - único movimento cultural de massa significativo desde então. Serve como registro mas não temos o mesmo engajamento, a mesma vivência dos livros anteriores.
Neste o autor acompanha de fora, já mais velho, cita nomes em demasia, esquece alguns etc; por mais que Bivar tenha participado do movimento e sua história, tendo sido o autor da primeira “Opera Punk” e o idealizador do “festival do fim do mundo”, um dos maires festivais “punk” do Brasil, resta aquela sensação de “deja vu” e um certo academicismo e didatismo sem o tesão que envolve os outros livros analisados.
No geral resta também uma sensação de escancaramento moderado já que Bivar é um cara educadíssimo, incapaz de valer-se de suas amizades e situações vivenciadas no talo para criar uma saia justa para determinado personagem do mundo pop artístico brasileiro ou mundial.
Seu comedimento as vezes parece estranho para quem está acostumado com Henry Miller, Gutierrez, Bukowsky e autores do gênero que em seus relatos auto-biográficos escancaram suas vidas íntimas, sexuais e muitas vezes das pessoas que o cercam.
Porém até esse comedimento é belo e bem colocado. Digamos sem medo de errar...o cara tem classe, não tratando-se de esconder a verdade, mas mostrar a verdade sem abrir mão da própria dignidade e convicções, afinal, o enfoque que se procura dar aos relatos é outro e nem por isso soa falso.
Leitura cinco estrelas, em especial “Verdes Vales do fim do mundo”...e “Longe daqui aqui mesmo”... E tenho dito.

segunda-feira, 16 de março de 2009

A Síndrome de Ulisses Santiago Gamboa



Estava em Trindade, quando li a maior parte do livro em destaque. Um dos únicos lugares do Brasil onde você pode encontrar do seu lado, sentado na areia, um "Hippie Punk, traidor do movimento", lendo tranquilamente algum livro de Jack Kerouac e olhando para o mar com olhos vermelhos, cabelo e tatuagens ao vento.
Pois a minha viagem era outra. Totalmente outra. Comprei o livro após ler uma reportagem na folha "Mais" de Domingo, onde se comparava o livro de Santiago Gamboa, com a produção de Henry Miller, que o livro em questão trata-se da desmistificação do sexo em Paris, porém sem o glamour do sexo de outrora, com um toque realista/cru/seco, que Miller não tinha. Um retrato das gerações atuais.
Sem querer ser hipócrita a bela capa(vide supra) ajudou na hora da aquisição.
Nunca escondi que sou fão do Henry Miller, então...livro em riste, comecei a agradável leitura, já que Gamboa provavelmente pertence a geração "Macondo", seu texto é claro e detalhista, suas situações são hiper-realistas e de muito interesse.
Trata-se da estória de um escritor colombiano(escrita por um escritor colombiano) que a pretexto de se dedicar a um curso de literatura meia boca na Sorbone(conforme o próprio autor), se dedica a muitas outras "cositas" bem interessantes em sua adorável "chambrita" nos subúrbios de Paris.
"que rico!"
Temos então várias estórias dentro da estória central:
A estória principal é a dos imigrantes que tentam a sorte em País distinto e não consegue se adaptar, enfrentando a "Síndrome de Ulisses", que hoje é reconhecida como distúrbio mental decorrente da inadaptação do estrangeiro às novas culturas e ambientes que são inseridos as vezes pelo exílio voluntário ou involuntário.
Analisamos então várias estórias riquíssimas, que relatam a miséria e a ausência total de "glamour" de Paris e seus arredores.
A princípio acompanhamos a trajetória do próprio protagonista e suas dificuldades econômicas, psicológicas e sociais para atingir o seu sonho de ser escritor, dando aulas de língua espanhola , laborando em um restaurante Coreano(lavando pratos) e frequentando o curso nada aprazível da Sorbonne, entre banhos em banheiros públicos, suas desavenças e desencontros amorosos, entre um prato de comida(quando possível) e muita bebida(sempre).
Paralelamente acompanhamos o mundo de misérias humanas dos personagens secundários; o sonho se transformando em pesadelo , o sexo que antes era um elemento libertador(na década de 60 e 70) agora se apresenta como mero vício ou válvula de escape para as agruras do ambiente hostil. (o livro tem muito sexo – basta ver a capa)
E que ambiente hostil. A Paris da Torre Eiffel e do Arco do Triunfo esconde os súburbios de preconceito e miséria dos imigrantes que buscam um sonho intangível.
O protagonista como um facilitador vai entrando em todos os ambientes, tais como a turma da Colômbia, a turma do restaurante em especial um coreano do norte e sua vida(verdadeiro símbolo do livro), a prostituição das colegas de restaurante , romenas e a exclusão da turma da Europa Oriental, os Parisienses e seu ódio e fascínio e o conflito entre esses sentimentos em razão dos imigrantes. O problema das drogas e muita bebida e muito sexo e muita ausência de objetivo. (A personagem Paula a colombiana riquinha e doida por sexo é memorável) .
Temos tambem como outra estória da violência desencadeada pelo conflito(personagem Nestor e seu namorado francês Gaston).
Em suma: O autor desce literalmente nos esgotos de Paris.
Aliás esse é o livro dos excluídos, dessa turma imensa que perambula às margens da globalização, que busca o seu espaço cada vez mais restrito em um mundo de alta competitividade e com um inchaço de informação e população.
Ou seja, peguei o livro meio ao acaso e não esperava tanta atualidade, e também tanta sacanagem e destreza com as palavras. Santiago Gamboa brinca com as cenas de sexo e miséria, chegando ao cúmulo do exagero inclusive citando o seu ídolo Henry Miller algumas vezes no texto e nas entrelinhas nos brindando com muitas análises literárias e visões de vida como o próprio Miller fazia.
Enfim, diria que é um livro fundamental, dessa nova geração que estuda muito para escrever romances, sendo até sustentável tratar-se em grande parte da vida do próprio autor, que segundo a orelha do livro "em Paris estudou literatura cubana na Universidade de Sorbonne" Portanto qualquer similiaridade não é mera coincidência."

Sessão frases grifadas(eu detono os livros que leio – não me empreste):
"é verdade que existe uma zona de realidade onde são vividos os contrários, onde vai parar o vômito e o excremento daquelas belas mulheres e daqueles dândis que, em cima, na cidade solar representam os ideais do mundo"
"bem, eu disse, todos fazemos em algum momento uma descida aos infernos, ou várias descidas, e alguns ficam para viver neles ou não conhecem outra coisa e portanto não sabem que estão no inferno, mas você tem razão, o inferno existe e como existe. E existe aqui."
E eu lá em Trindade, olhando aquele paraíso na minha frente e o ambiente cinza parisiense em meu colo, a Paris dos jornais e das rebeliões incendiárias que aparecem todos os dias na nossa casa na televisão, a Paris que no seu microcosmo representa o macrocosmo inclusive a própria praia de Trindade, que a cada ano que passa tem mais casas, mais especulação mais gente e mais gente estranha fora do contexto.
Sessão dica de viagem: Aproveitem Trindade agora! Já! Corram para lá com urgência!
De certo o doidão do meu lado, cabelo e tatuagens ao vento estava lendo um livro mais apropriado para o local. Mas mesmo assim, e de caso pensado adorei!
Nem só de mar e brisa vive o homem e se for pensar mesmo tanto eu como o doidão estamos a margem de algo que não compreendemos. Vamos abrir os olhos vermelhos de droga ou de sono para não chorar de verdade amanhã! Isso se chama consciência, ou seja percepção imediata da própria experiência e percepção de um modo geral.
Última frase do livro: "mas a lona do circo não tinha luz e todos, naquele desolado aeroporto, pareciam ter ido embora ou estar mortos"
FIM

Travessuras da Menina Má


"QUE RASTRO DEIXAREMOS DA NOSSA PASSAGEM POR ESTE CANIL?"



Mais uma vez, Mario Vargas Llosa destila todo o seu talento para narrar a história universal, daquela personagem bem conhecida da mulher pobre que faz tudo para subir na vida, principalmente pisar na pessoa que lhe ama. A SÁDICA E O MASOQUISTA!
Parece novela da Globo?
Sim, “pero no mucho” já que Vargas Llosa é bem melhor que estes pobres roteiristas de televisão e sua ótima narrativa vem pautada por várias citações de peso, situações inusitadas, com a história passando-se em várias cidades como Paris, Londres, Lima, Tóquio ..., deixando bem claro a visão cosmopolita do escritor que pesquisa a fundo ruas, bairros, costumes, obras de arte etc. e não perde a oportunidade para demonstrar e nos ensinar culturas nas entrelinhas não esquecendo-se ainda das transformações sociais e políticas que desenrolaram-se no período.
Somos convidados a sofrer de amor e de ódio junto com o protagonista peruano, tradutor e intérprete que passa uma vida inteira apaixonado pela menina má que apenas aproveita de seu amor para subir na vida, utilizando-o como um objeto descartável e desorganizando todas as suas idéias entre um amante rico e outro.
Piegas?
Talvez....mas como já disse acima estamos falando de Vargas Llosa, que consegue extrair deste mote uma rica faceta da condição humana, das ambições de cada um, (ele um cara sem grandes pretensões, ela querendo conquistar o mundo); do envolvimento emocional dispare entre às pessoas(ele mergulhando à fundo no relacionamento sem ressalvas, ela sempre na superfície das coisas);
Poderia contar a história, mas, sinceramente não teria a menor graça já que o lance, a surpresa e o encantamento está no romance, no desenrolar pautado de toda a trama até o final inesperado e dramático.
Confesso que me vi adolescente, nas mãos de algumas meninas más que passaram pela minha vida totalmente indefeso e sujeito à porradas e queimaduras. Como apanhei.....como me queimei....
Mas quem não se queimou que atire a primeira pedra se for homem! Coisas do amor!
Breguice?
Talvez sim!...como o protagonista sofredor Ricardo Somocurcio, sou um eterno apaixonado e como diria a menina má, um “coisinha-á-toa”; ou como diria seu amigo e grande intérprete Salomón Toledano, alguém que: “só é quando não é, um hominídio que existe quando deixa de ser o que é, para que, através dele, passem melhor as coisas que os outros pensam e dizem”.
E durma com um barulho destes! Será que Ricardo também é Corinthiano?????Uiii...

Scliar....


Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que "baixa" no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente".



Palestra do Moacyr Scliar no ano passado na Feira do livro. Este cidadão simpático, porto-alegrense, que conheci pela primeira vez no âmbito literário em 1992, lendo "Sonhos Tropicais" uma visão romanceada da vida de Oswaldo Cruz.
Bem o cara já escreveu muito....e é membro da Academia Brasileira de Letras, por conseguinte dispensa comentários.
O que queria dizer é que a palestra de graça no Auditório Meira Jr. no Salão de Idéias foi, digamos, uma delícia.
Delícia porque entre tantos escritores ascendentes e sem dentes, Scliar é uma jóia rara de inteligência.
Começa a palestra declinando uma máxima óbvia que o domínio da técnica literária só se adquire lendo e é muito diferente da narrativa oral, gênero que era dominado por seu pai(marceneiro), grande contador de histórias e que junto com a sua mãe(professora) despertou o interesse do filhão pela literatura.
Depois nos fala que foi ser médico por "medo de doença", mas não medo de ficar doente, mas pela impotência perante ela. Isso, o estudar medicina e tornar-se médico, de certa forma apaziguou tal sentimento. Scliar até hoje desenvolve as duas atividades.
Conta a estória das "mães alimentadoras" que sua mãe era obcecada em dar comida aos filhos a ponto de correr atrás do escritor com um prato de sopa pelas ruas. Seu irmão não comia nada e intrigada com o fato do mesmo permanecer vivo resolveu investigar. Descobriu que a despeito de não se alimentar em casa, ele se alimentava numa construção ao lado junto com operários que lhe cediam comida. Foi feito o pacto operário muito antes de Lula. Ela passou a fornecer comida para os operários com a condição deles repassarem comida para seu filho. (cada uma!!!!)
Mudando totalmente de assunto contou que Willian Faulkner, escritor americano dizia que se necessário mataria a mãe para escrever uma boa estória e que qualquer boa estória vale mais que um grupo de velhinhas que de certa forma poderiam ser exterminadas. Ao contrário Scliar defende a ética do escritor na escolha de temas etc.
Contou ainda que certa feita o escritor supra (Faulkner) veio para o Brasil num encontro literário e após quatro dias tomando todas perguntou para sua anfitriã: "o que é que eu estou fazendo em Chicago?" eh! eh! eh!
Criticou o sistema imposto aos escritores para escreverem em jornais. Tudo se resume a espaço tempo e brincou que com a aproximação da "Dead Line" o escritor acaba encontrando a fugidia inspiração.
Elogiou Frans Kafka, e seu grande poder de sintese, que foi o primeiro escritor que presentiu o nazismo e o stalinismo e escreveu sobre o assunto e que Kafka, Prouts e Joyce mudaram/transformaram a literatura do Século XX.
Lembrou de Osman Lins que por ser pouco acessível passou desapercebido pelo mundo, fato que ocorre com alguns grandes escritores. Contou que uma vez na Feira do Livro de Porto Alegre compareceu numa sessão de autógrafos do escritor e que só tinha duas pessoas. Ele e uma professora de literatura.
Defendeu ainda Dalton Trevisan salientando que a crítica é ruim quando diz "MAIS UM LIVRO DE DALTON TREVISAN" como se ele não acrescentasse algo de novo em sua obra. Vislumbra nas entrelinhas a evolução do escritor que apenas aprimora a cada ano o mesmo tema e sua forma de narrativa que não se preocupa com nomes, ambientações etc, mas resume o algo mais, o substancial do texto.
Quanto a reforma ortográfica foi enfático. A mudança que está aí não vai desencadear nada de bom e que a língua portuguesa deveria sofrer uma mudança drástica, inclusive acabando com a crase. Brincou que a crase foi criada apenas para humilhar as pessoas que nunca sabem quando aplicá-la.
Referindo-se à escrita utilizada pela moçada na internet, deixou seu ponto de vista: "estão escrevendo. Já está ótimo" e que tais novidades só enriquecem a língua, por pior que à primeira vista possam parecer. (o escritor é a favor do anglicismo)
Quanto à opinião de Ligia Fagundes Telles de que o Brasil tem escritores demais, discordou: O Brasil não tem tantos escritores e à escrita tem que estar ao alcance de todos, como forma de expressão de emoções, de sentimentos e quanto mais pessoas escrevendo melhor, jã que assim como escritores passam e morrem sem deixar vestígios o destino de um texto literário é muito incerto e se apresenta com estranhos mecanismos de absorção. (citou Dom Quixote de Cervantes e a despretensão do escritor ao escrever uma das maiores obras literárias da Humanidade).
Concluindo: AULA DE CULTURA - uma hora foi pouco!
No final ainda fui brindado com uma dedicatória no livro "Um sonho no caroço do abacate" - "para tinoco, leitor culto, abraço do Moacyr" - disse que o livro é uma das histórias de imigrantes que escutou em sua infância.
Obrigado! Valeu!!!

terça-feira, 10 de março de 2009

Claudio Cunha rapaz família

Cláudio Cunha à direita no filme "Oh Rebuceteio!"


No ano passado, passei o feriado de Finados no Grande Hotel Aguas de São Pedro. No primeiro dia encontrei na piscina do hotel um senhor recatado, com sua jovem esposa, brincando com suas filhas. Um bom pai - pensei - uma esposa jovem - também pensei.(o ser humano as vezes pensa mais do que o necessário!).
A noite o hotel oferecia em seu imponente teatro uma peça para os hóspedes: "O Analista de Bagé - e o filho Gay" Cláudio Cunha e Cia.
Por óbvio(e depois de toda esta introdução) lá estava o senhor recatado, rapaz família, bom pai...vestindo bonbacha, chimarrão em punho contando às piadas mais cabeludas do planeta e dando aqueles conselhos mais absurdos, para analista nenhum botar defeito(ou botar defeito. Depende do senso de humor!).
A peça é altamente, digamos...convencional. Foge quase completamente do texto de Luiz Fernando Veríssimo - só sobrou o joelhaço.
Cláudio Cunha e sua peça estão no livro dos recordes como o espetáculo de maior longevidade com o mesmo protagonista e ator.
Ante este fato ele nos passa a impressão de total domínio do tema e do personagem, brincadeira pura e simples com a arte teatral, entretenimento sem maiores pretensões ou consequências.
Como dito acima a despretensão é total, e a peça depende todo o tempo do carisma e competência de Cláudio Cunha, já que o restante do elenco é...como poderia dizer educadamente: sofrível!
No final da peça fui falar com o Ator, afinal já dizia o meu amigo Leandro Francói que sou um "tímido cara-de-pau". Comecei com uma gafe, já que sou fã de carteirinha do filme "Oh Rebuceteio!"(1984), um dos únicos pornôs brasileiros com inteligência e humor, bem acima da média e de autoria e direção de Cláudio Cunha(vide foto acima).
O ator agradeceu a lembrança meio sem graça e depois fiquei sabendo que ele de certa forma renega o filme que o estigmatizou como "diretor de filmes pornô".
Certa feita no programa Jô Soares foi recebido assim pelo Gordo: "-Vamos receber o ex-seminarista que tornou-se diretor de filme pornô".
Cláudio Cunha ficou puto, já que tem uma cinematografia de respeito e este Oh! Rebuceteio! foi o único pornográfico na acepção correta do termo com cenas de sexo explícito. Antes disso o diretor já tinha toda uma trajetória no cinema erótico com filmes como "Amada Amante" "O gosto do pecado" dentre outros.
Mas...pensando bem...fazer o quê né Claudião!? Afinal quem deita na cama cria fama mesmo e sem querer ser moralista...e já sendo(está é do Gordo!), não deveria renegar aquele que é um de seus melhores filmes que inclusive recebeu críticas de peso como a que transcrevo: "O grande cuidado artesanal torna o sexo agradável de ser assistido, mesmo pelo espectador que não esteja minimamente interessado em voyeurismo. E os diálogos são claros, engraçados e fazem pensar além da história narrada.(...) Repleto de meta-linguagem, espécie de “A Chorus Line” sem vergonha, “Oh! Rebuceteio” nos remete a todas aquelas histórias que ouvimos desde a infância sobre a liberdade sexual no meio artístico, notadamente no teatral. É este o mote para o semi-exploitation de Cunha: uma peça, um diretor com idéias de psicanálise reichiana e um elenco de jovens entre 20-25 anos ávidos pela fama". Andréa Ormond
No dia seguinte lá estava novamente "o devasso" , brincando calmamente com sua filha no "mini-clube" do Hotel, ensinando-á a desenhar; sua jovem esposa participou do futebolzinho à tarde entre os hóspedes. Jogou no Gol.
E findou-se o feriado de finados. Vivas aos mortos vivos!!!!!!!!!!!

Tristessa de quem não leu



Mais um livro de Jack Kerouac, uma ode ao amor por uma “junkie” decaída chamada Tristessa; uma mexicana índia com olhar de Madona viciada em morfina. Entre tremores, bebedeiras, quebradeiras, num México perdido em cidades distantes de qualquer mundo urbano, conversando com galinhas, porcos e animais domésticos diversos, em busca de um pico, de uma cama....a espera da morte.
Na verdade neste livro somos obrigados a perceber que Jack Kerouac na verdade não era muito normal mesmo. Sua prosa espontânea e sua técnica de “fluxo de consciência” nos mostra toda sua loucura. Parece em determinados momentos que estamos conversando com um daqueles americanos cabeludos, cheios de cartazes coloridos que anunciam o fim do mundo e/ou a invasão da terra por ovnis e alienígenas.
O livro todo é um poema: “nunca é suave o chuviscar que não perturbou a calma”
Num País distante, num México inexistente: “os xales azul-claros das mulheres, os xales roxo-escuros, os lábios das pessoas levemente rosados em meio ao azul geral do alvorecer”
Escrito por um louco chamado Jack Kerouac que na sua juventude foi afastado da marinha por “razões psiquiátricas” . O livro é baseado em episódio de sua própria vida; quando perambulou pelo México com o amigo Allen Ginsberg e teve um caso com uma índia chamada Esperanza.
Agora não consigo entender como um cara que teve o budismo como bandeira e escreveu “On the road”, resolveu no fim da vida apoiar a Guerra do Vietnã e criticar os hippies.(???)
Porém que se dane a política e “de médico e de louco todo mundo tem um pouco”. Afinal quem nesse mundo é totalmente coerente??? Quem não teve vontade de flertar um pouco com o imponderável?
Fico com minha devoção aos beats, Allen Ginsberg e Jack Kerouac – que nos brindam com constância com parágrafos “loucos” como este:
"Vou acender velas para a Madona, vou pintar a Madona e comer sorvete, anfetamina e pão – “Maconha com carne de porco”, como disse Bhikku Booboo – Vou para o sul da Sicília no inverno e pintar lembranças de Arles – Vou comprar um piano e me mozartear – vou escrever histórias tristes e compridas sobre pessoas na lenda de minha vida – Este é meu papel no filme, vamos ouvir o seu.”
Isto é apenas... literatura.

domingo, 1 de março de 2009

A morte e a morte de Quincas Berro D'água


Por coincidência estive em um Velório hoje. Enquanto o coveiro desempenhava seu mister, fiquei observando os contratastes entre a triste situação da morte e o dia lindo e ensolarado. Ao fundo podia-se ouvir os sons de uma festa infantil com muita música. Mais ao fundo ouvia-se uma partida de futebol. Duas crianças imundas trocavam figurinhas encostadas em um túmulo alheio. Duas senhoras em tom jocoso, discutiam qual delas seria a próxima vítima.
Enfim, todo velório tem um pouco de insólito, e é desse universo que Jorge Amado se apropria com o humor que lhe é peculiar para criticar a burguesia, a hipocrisia e exaltar, pasmem, A VIDA.
Com um tom realista fantástico a la Garcia Marques, esse pequeno conto é considerado por vários críticos como uma pequena obra-prima.
Acompanhamos a vida de Joaquim Soares da Cunha, pacato cidadão, homem probo e sua súbita transformação nos dez últimos anos de existência em Quincas Berro Dágua, bêbado errante, maltrapilho,rei da marginália e das putas e vagabundos de plantão no Pelourinho.
Morreu feliz na vagabundagem, mas os parentes o obrigaram a vestir terno e gravata no caixão e cumprir os rituais fúnebres, as exéquias.
Tudo em vão. A rebeldia de um sorriso sarcástico prevaleceu. Num momento de total desprezo e descuido dos parentes, na calada da noite, seus verdadeiros amigos começam a desnudar o cadáver, levando-o ao verdadeiro cerimonial, ao cerimonial da alegria baiana, um morte feliz, bebendo cachaça ao lado de sua amante, perambulando pelas ladeiras e sendo "enterrado" no mar.
Segundo um trovador do Mercado, passou-se assim:
"No meio da confusão
ouviu-se Quincas dizer:
"- Me enterro como entender
na hora que resolver.
Podem guardar seu caixão
pra melhor ocasião.
Não vou deixar me prender em cova rasa no chão"
E foi impossível saber
o resto de sua oração" J.A. Rio, abril de 1959
Concluindo. Fico sem palavras! Simples como a vida deveria ser(e a morte também), fruto da sabedoria popular e em decorrência fantástico! Grande sacada!
Vou dormir melhor essa noite. São os raros momentos únicos...