quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Os Anos do Furacão - Mário Bortolotto - Manual de "antiajuda"


foto Bob Sousa



Digo desde agora e sempre que é difícil manter o distanciamento quando nos deparamos com um livro de um cara que é a nossa cara, que tem os mesmos ídolos e quase as mesmas idéias. Aliás isso é um privilégio cada vez mais raro nesse mundo esquisito e multifacetado. Mas vamos lá: O livro “Os anos do furacão”  do Mário Bortolotto narra em forma de crônicas de uma maneira bem sincera e com um vocabulário simples e cheio de gírias (“ta ligado?”); trechos da vida do escritor, dramaturgo, ator, músico, poeta....desde a sua infância até o episódio dos tiros/assalto no teatro da Pça Rossevelt e fatos posteriores a este acontecimento marcante a fartamente noticiado. Tudo bem autêntico, bem a cara do autor, de maneira desordenada, em formato “blog” e  pinçando acontecimentos e brincando com a memória. Porém ao contrário do Marcelo Mirisola que mais inventa do que transcreve a realidade biográfica com proposital picaretagem no livro do Bortolotto temos uma crueza e uma sinceridade quase infantil, singela, você lê o livro e diz: “- É ele mesmo, está tudo ali!”
Com o devido respeito é o mesmo “marginal” corajoso que encontrei em duas palestras aqui em Ribeirão Preto, uma na Feira do Livro e outra nos Estúdios Kaiser de Cinema, sem contar as inúmeras e impagáveis entrevistas, peças, livro de contos, vídeos no youtube, etc. O Mário curte esse negócio de ficar à margem, mas ao mesmo tempo trabalha pra caramba, produz como ninguém e extrai dessa situação, com muito humor, diga-se, todo o seu material de trabalho como um Plínio Marcos, um Gutierrez.
O Mário é um exemplo de anti-exemplo de auto-sabotagem voluntária e só quem tem alguma maturidade de vida pode entender o que eu estou escrevendo. Só esses vão entender o título acima “Manual de antiajuda”, só aqueles que tem um Bukowski ou Henry Miller na cabeceira da cama no lugar da Bíblia.
Muito embora o livro seja de memórias, temos nas entrelinhas várias divagações pertinentes e visões peculiares sobre sucesso, fracasso, estilo de vida, trabalho, coerência, solidão, individualismo, marginalidade, drogas, bebida, esporte, amizade, sinceridade, referências, gibis, poesia, blues.....
Legal ver também a modificação de ânimo antes e depois do dia fatídico. Acho sinceramente que aconteceu alguma coisa importante ali. Antes o texto era mais leve, superficial, agora mais melancólico, mais nostálgico e porque não dizer mais equilibrado e sereno. Laudas em homenagem à filha, aos verdadeiros amigos.... Afinal qual a razão de viver ou ter uma segunda chance senão para estar com aqueles que valem alguma coisa e fazendo aquilo que vale a pena?
Você pode não gostar e não concordar com tudo que o Mário diz, mas é tudo muito bem fundamentado por alguém que vive na carne e constantemente aquilo que escreve.
Uma vez fui numa palestra de uma escritora que veio com essa de laboratório, que  para escrever sobre o lixão pesquisava em livros, em jornais, bibliotecas.... Definitivamente não acredito nessa literatura. Falta sangue, falta esperma, merda, falta verdade, falta adubo natural, urina na meia(essa é do Mário rsss). No livro do Mário voa resíduos para todo o lado. É só ligar o ventilador ou abrir a garrafa. (a capa do livro é o rótulo estilizado de um Jack Daniels – risos novamente). Só para ilustrar o que estou dizendo aí vai uma transcrição da crônica “bem-vindos ao meu mundo”: “Não é o melhor dos mundos e nem é exatamente agradável. É um mundo de um cara confuso que sempre mete os pés pelas mãos e perde o jogo e não consegue trapacear, mas mesmo assim fica posando de “esperto” (...) o meu mundo não cheira bem e as torneiras estão sempre pingando e há restos de comida em cima da pia.” M. Bortolotto na pág 253.
Portanto fica a recomendação – tecle  na editora Realejo e encomende o seu www.realejolivros.com.br. Para mim o livro caiu muito bem. Viver sem grandes expectativas em relação a si e em relação aos outros nesse mundo que persegue o “sucesso” a qualquer custo e tenta esconder às “mazelas” embaixo do tapete. Estou aos poucos pulando fora também meus caros leitores! Não se iludam! Aproveitem enquanto ainda dá tempo. Fica aqui a minha “antiajuda”. Maiores esclarecimentos é só pagar uma cerveja qualquer lá no Bar do Português.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Gibis e literatura. Nerd eu? Longe disso...

Minha relação com os quadrinhos vem dos confins da infância. Era um menino sozinho mas muito curioso com uma irmã cinco anos mais velha com uma prateleira cheia de Mônicas, Cebolinhas, Bolinhas, Brotoejas e Luluzinhas. Depois numa mudança da minha prima Dulcinha herdei uma série de Zé Cariocas, Pato Donalds dentre os primeiros números de tais coleções (inclusive). Coleção essa que foi roída por traças urgh! Teve também aquelas férias em Araruama que comprei “Lulu e Bolinha nas férias” e viajei por Paris e Nova Iorque numa rede da varanda da casa do Tio Joel . Mas a febre começou mesmo com a Tia Guiomar que me deu o primeiro Tintim e depois o primeiro Asterix e a paixão não teve mais fim. Tenho a coleção completa dos dois até hoje. A adolescência chegou e com ela muitos Mads, “Animal”, Chicletes com banana, Rebordosas, Luke Lukes e Cia ltda (guardo todos com muito zelo no meu escritório). Necessário frisar que nunca gostei de Batmans, Robins e Super-homens e outros heróis mascarados. Necessário frisar número dois que entendo os quadrinhos como literatura e não vou ficar falando aqui “graphic novels”, porque isso é uma “frescura du caralho” com o perdão da expressão. É “quadrinhos” mesmo, GIBI, estórias em quadrinhos e tenho dito. Sou nerd? Longe, muito longe disso.... Gostaria de frisar número 3 que os quadrinhos quando bem feitos nos remetem a uma outra dimensão da literatura. Temos uma imagem mais nítida da própria imagem que o autor tenta nos passar; uma imagem mais próxima da imaginação do autor/escritor. Porém ao contrário do cinema essa imagem não esgota tanto a nossa própria imaginação, não satura o nosso cérebro. O desenho por mais realista que seja não esgota a imagem em si. É uma sobreposição de imagens do autor com as nossas loucuras imagéticas que criamos no ato da leitura. Em resumo: um barato sem necessidade de qualquer ácido. E é exatamente isso que tem me levado de volta aos quadrinhos. Na minha idade não há como tomar ácidos sem efeitos colaterais duradouros e indesejáveis.Recentemente li vários Robert Crumbs dentre eles o tão bem escrito “Kafka” com parceria de David Zane Mairowitz e posso sem sombra de dúvidas dizer que é a mais agradável maneira para conhecer esse fantástico escritor tcheco universal. Uma outra dica é o ótimo “os beats” com roteiro de Harvey Pekar e companhia onde é possível visualizar de uma outra maneira, que seja superficial,  toda a cena literária “beat” em meados dos anos 50 e 60 nos Estados Unidos. Também nem tudo é alegria nesse mundo dos quadrinhos. Já tive experiências ruins como o “Palestina” de Joe Sacco, que com o devido respeito e com as devidas escusas pelo trocadalho – é um saco!.Acho que política com quadrinhos não combina muito. Sou nerd? Longe, muito longe disso....Mas sou mais um bom gibi erótico do que uma revista Playboy e tenho dito. Nessa linha reverências obrigatórias ao Sr. Milo Manara e Giovanna Casotto. Bom bem, ops. Toda essa introdução foi para falar sobre dois gibis que li atualmente. O primeiro é “Pagando por sexo” de Chester Brown, o segundo é Diomedes de Lourenço Mutarelli. O primeiro tem o mérito de, com muita sinceridade, relatar de uma maneira agradável, realista e didática um tema para lá de controverso e porque não tabu. O escritor canadense Chester narra em primeira pessoa suas próprias desventuras com prostitutas e similares com toda riqueza de detalhes e traços para lá de primitivos para depois concluir que mesmo com o vazio pós-coito prefere estas relações às relações dita românticas, chegando a conviver por anos com uma prostituta para lá de especial. Por fim desvela toda a hipocrisia e preconceito que envolve o tema, não poupando amigos, sociedade, País etc. Belo trabalho. Todo escritorzinho novo que fica aí tentando jogar as verdades inconvenientes tapete abaixo deveria ler. Já “Diomedes” de Lourenço Mutarelli, peculiar escritor e desenhista que venho acompanhando a vários anos revela a construção de um personagem impagável : Um detetive, delegado aposentado, sujo, desorganizado, piadista e aloprado que percorre os caminhos mais tortuosos para desvendar, ou melhor, não desvendar seus “casos” indo do nada a lugar nenhum, passando por situações insólitas, existenciais e metafísicas e nos revelando um caminho para lá de caótico, escatológico e engraçado. O destino não importa, o que importa é o caminho. Tudo muito noir, com diálogos “a la” Pulp fiction. Certa Feita G. K Chesterton , escritor inglês falecido em 1936 em seu ensaio sobre “como escrever uma história de detetive” estabeleceu a primeira regra: “o alvo de uma história de mistério, como de toda outra história e todo outro mistério, não é a escuridão mas a luz. A história é escrita para o momento em que o leitor a compreende, não simplesmente para os vários momentos preliminares em que ele não a compreende”. Pois não é que o Mutarelli subverte esse princípio com muita propriedade?A compilação da trilogia de 5 ou 6 anos de árduo trabalho, 429 páginas Editora “Quadrinhos na Cia” do nosso amigo Muta só não é obrigatória porque não acredito em “obras obrigatórias” e tenho dito. Nerd eu? Longe, muito longe disso....Em tempo: não empresto os meus gibis!