Há uma distância muito pequena entre o sucesso e o fracasso. O sucesso é quando se têm um objetivo e êxito na empreitada; o fracasso é a desistência.
Marcelo acordou tarde aquela manhã; olhou para o seu quarto sujo e sentiu o odor bolorento de seus armários encardidos. Vestiu uma roupa mofada e, como sempre, saiu para tomar um café preto de coador na padaria da esquina. Dois reais o café e um pão com manteiga passado na chapa suja e encardida como o seu quarto, como sua alma.
Na banca olhou as manchetes do dia; muito sangue, corrupção e sujeira...
Comprou os classificados e passou a lê-los desanimadamente. Lindo dia para procurar emprego pensou sarcasticamente. Lindo dia para se matar, também pensou. Cara ou coroa. Oh! PERDEU.
Saiu em busca de mais uma vaga improvável de “serviços gerais”; afinal dentro da generalidade poderia se dar bem, quem sabe?
Chegando no primeiro “centro de recursos humanos” encontrou uma fila considerável; pobres miseráveis como eu – pensou. Um homem com uma pança de mamute proeminente logo lhe indagou:
–Cadê sua CTPS Sr. Marcelo.
– Perdi, mas posso providenciar uma segunda via é só vocês me contratarem;
- MEU SENHOR!?...passar bem o próximo. Olhares de reprovação.
Atravessou a cidade e foi em busca de outra vaga . Desta vez a fila não era considerável e sim ultrajante; falou para dentro:
– Esses filhos-da-puta... tenho minha dignidade.
Sorriu sarcasticamente para aqueles seres autômatos que na fila se encontravam e saiu em passos largos e vagos. Olhares de reprovação. Teria que dormir com mais esta. Na frente dos patrões sempre era um cabritinho. Como aquele que comeu no Sítio de seu avô em Aramina, Minas Gerais em sua primeira experiência sexual. Afinal de contas também já foi dominador um dia; já teve um animal subjugado à sua própria vontade. Agora pastava pelos campos de concreto armado do Senhor e seus senhores.
– Não devia ter comido aquele cabritinho! Que pecado... – pensou.
Mas o tempo é o senhor do esquecimento. Uma vez lendo um Milan Kundera de segunda mão pensou em ser escritor. Mas para tanto tinha que ser alguém, tinha que ser exilado, ter uma estória política, seqüestrar um político importante ou coisa que o valha. Não tinha culhões para tanto; Era apenas um desempregado fodedor de cabritinhos.
- Chega de devaneios – pensou.
No terceiro pretenso emprego não tinha fila, mas logo viu que não se tratava de coisa séria. Não lhe pediram a carteira, não lhe pediram referências e lhe mandaram para os fundos de um armazém porcamente imundo como sua vida para carregar pedaços de boi nas costas. E por lá ficou num misto de necessidade, desespero e indiferença.
No fim do dia com sua roupa embolorada e úmida agora embebida em sangue de boi recebeu sua diária e a notícia que já esperava:
- Pega essa grana e cai fora vagabundo – serviço só para hoje. MUITO FRAQUINHO.
E esse “muito fraquinho” foi lhe acompanhando no caminho às margens dos trilhos do trem...no subúrbio...até o seu bairro...até o bar do seu João...onde torrou sua mísera diária em pinga barata que logo lhe subiu na cabeça e deu uma amplitude a seus pensamentos e “máximas” que jamais tinha sentido.
Lembrou então que o dia estava mais do que lindo para se matar. A “máxima” veio-lhe à cabeça: “o fracasso é a desistência...”
Definitivamente não teria mais que dormir com este “muito fraquinho” nas costas – pensou pela última vez.