sábado, 28 de março de 2009

desbunde Antonio Bivar pós-desbunde


Depois de 600 páginas e três livros debulhados, “Verdes Vales do Fim do Mundo”, “Longe daqui aqui mesmo” e “O que é Punk?” sinto-me mais seguro para poder falar sobre o autor, seu estilo etc, depois de um longo e tenebroso inverno.
Uma vez vi num filme que não somos nós que escolhemos os livros, mas eles que nos escolhem. Verdade pura.
Os dois primeiros livros citados são memórias do autor Antonio Bivar de um período em que se submeteu a um exílio voluntário na Europa, mais especificamente no interregno que vai de meados de 1969 a meados de 1973. O auge da contracultura, do movimento hippie até a sua derrocada com a declaração de John Lennon - “o sonho acabou” - e o surgimento do rock mais hedonista de David Bowie e Lou Reed/Velvet Underground.
Em contrapartida no Brasil as mentes pensantes se sentiam sufocadas pelo regime militar e suas limitações à liberdade de expressão.
E Antonio Bivar é um observador privilegiado, já que no período era um jovem autor teatral de sucesso, amigo de toda a trupe do meio artístico, com a mente aberta e de um estilo super-afinado com seu tempo, dotado de extrema generosidade para com as situações e pessoas que lhe envolviam a todo o momento. Ou seja, assistiu a tudo de camarote numa época que por uma infelicidade do destino e mera questão de gerações eu ainda usava fraldas e só queria tomar o leitinho da mamãe.
Pois então: Não necessariamente nessa ordem acompanhamos suas indas e vindas do Brasil onde morou em Ribeirão Preto(sua família é daqui) e Rio de Janeiro/São Paulo para a Inglaterra, França, Irlanda..e uma pequena passagem por Nova York. Ficamos sabendo que no dia que Tom e Vinícius fizeram “Garota de Ipanema”, Vinícius fez um sanduíche de galinha para Bivar. Acompanhamos Leila Diniz e sua barriga escancarada em plena praia de Ipanema até desaparecer num acidente aéreo; Norma Bengell fazendo um filme no Mediterrâneo; a timidez de Elis; um dos primeiros shows de Lou Reed; batemos um papo com Nico; uma pequena cena de nudismo por sugestão de Jorge Mautner com participação de Gil e Caetano, Bethania entre outros; A participação do Brasil no Festival da Ilha de Writt; as experiências psicodélicas numa comunidade de Salisburi; o misticismo que envolvia toda aquela geração; a apresentação dos “Doors” no festival onde já se apresentava um Jim Morrison decadente, e depois uma rápida visitinha no “Père Lachaise” no túmulo após um ano de sua morte; O apartamento nada convencional do artista plástico Peticov; os passeios com Rogério Sganzerla e Tereza Raquel, as viagens com David Lovelock; a relação nada convencional com José Vicente; as primeira produções do pai de Cazuza; encontros de elevador com Jane Fonda; as cartas trocadas com Odete Lara; as topadas com Mick Jaeger; o famoso Hotel Chelsea; os museus...as infindáveis festas...as infindáveis figuras tais como Trip um ex “hell-angel” e outros amigos .... tudo com muita ternura.....muita maconha....muito haxixe e pouca bebida já que Bivar era mais adepto dos dois primeiros (+ ácido e lsds eventuais).
Paro por aqui; apenas serve o relato como amostragem, mas com certeza só lendo o livro para vivenciar a atmosfera que tento passar, onde se vivia meses de favor por camaradagem com pouca grana no bolso e muitas idéias na cabeça...em comunidades alternativas.....acampando...sonhando... (Bivar chegou a morar num banheiro de um apartamento de três amigas em Paris)
Nesses livros nos colocamos no auge do desbunde, do experimentalismo, da geração que viveu uma utopia infelizmente com data marcada. É muito satisfatório acompanhar esse momento e esses “heróis” do desbunde que tanto nos influenciam até hoje e tanto deveriam nos influenciar.
Pena que em determinados momentos me via como o único cara naquele momento lendo aquela página. Coisas de um País que cultua outras coisas. Do padre evangélico à casa de massagem nos arredores de Brasília.
Já o livro “O que é Punk?” é um livrinho por encomenda – seria o pós-desbunde - único movimento cultural de massa significativo desde então. Serve como registro mas não temos o mesmo engajamento, a mesma vivência dos livros anteriores.
Neste o autor acompanha de fora, já mais velho, cita nomes em demasia, esquece alguns etc; por mais que Bivar tenha participado do movimento e sua história, tendo sido o autor da primeira “Opera Punk” e o idealizador do “festival do fim do mundo”, um dos maires festivais “punk” do Brasil, resta aquela sensação de “deja vu” e um certo academicismo e didatismo sem o tesão que envolve os outros livros analisados.
No geral resta também uma sensação de escancaramento moderado já que Bivar é um cara educadíssimo, incapaz de valer-se de suas amizades e situações vivenciadas no talo para criar uma saia justa para determinado personagem do mundo pop artístico brasileiro ou mundial.
Seu comedimento as vezes parece estranho para quem está acostumado com Henry Miller, Gutierrez, Bukowsky e autores do gênero que em seus relatos auto-biográficos escancaram suas vidas íntimas, sexuais e muitas vezes das pessoas que o cercam.
Porém até esse comedimento é belo e bem colocado. Digamos sem medo de errar...o cara tem classe, não tratando-se de esconder a verdade, mas mostrar a verdade sem abrir mão da própria dignidade e convicções, afinal, o enfoque que se procura dar aos relatos é outro e nem por isso soa falso.
Leitura cinco estrelas, em especial “Verdes Vales do fim do mundo”...e “Longe daqui aqui mesmo”... E tenho dito.

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