Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que "baixa" no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente".
Palestra do Moacyr Scliar no ano passado na Feira do livro. Este cidadão simpático, porto-alegrense, que conheci pela primeira vez no âmbito literário em 1992, lendo "Sonhos Tropicais" uma visão romanceada da vida de Oswaldo Cruz.
Bem o cara já escreveu muito....e é membro da Academia Brasileira de Letras, por conseguinte dispensa comentários.
O que queria dizer é que a palestra de graça no Auditório Meira Jr. no Salão de Idéias foi, digamos, uma delícia.
Delícia porque entre tantos escritores ascendentes e sem dentes, Scliar é uma jóia rara de inteligência.
Começa a palestra declinando uma máxima óbvia que o domínio da técnica literária só se adquire lendo e é muito diferente da narrativa oral, gênero que era dominado por seu pai(marceneiro), grande contador de histórias e que junto com a sua mãe(professora) despertou o interesse do filhão pela literatura.
Depois nos fala que foi ser médico por "medo de doença", mas não medo de ficar doente, mas pela impotência perante ela. Isso, o estudar medicina e tornar-se médico, de certa forma apaziguou tal sentimento. Scliar até hoje desenvolve as duas atividades.
Conta a estória das "mães alimentadoras" que sua mãe era obcecada em dar comida aos filhos a ponto de correr atrás do escritor com um prato de sopa pelas ruas. Seu irmão não comia nada e intrigada com o fato do mesmo permanecer vivo resolveu investigar. Descobriu que a despeito de não se alimentar em casa, ele se alimentava numa construção ao lado junto com operários que lhe cediam comida. Foi feito o pacto operário muito antes de Lula. Ela passou a fornecer comida para os operários com a condição deles repassarem comida para seu filho. (cada uma!!!!)
Mudando totalmente de assunto contou que Willian Faulkner, escritor americano dizia que se necessário mataria a mãe para escrever uma boa estória e que qualquer boa estória vale mais que um grupo de velhinhas que de certa forma poderiam ser exterminadas. Ao contrário Scliar defende a ética do escritor na escolha de temas etc.
Contou ainda que certa feita o escritor supra (Faulkner) veio para o Brasil num encontro literário e após quatro dias tomando todas perguntou para sua anfitriã: "o que é que eu estou fazendo em Chicago?" eh! eh! eh!
Criticou o sistema imposto aos escritores para escreverem em jornais. Tudo se resume a espaço tempo e brincou que com a aproximação da "Dead Line" o escritor acaba encontrando a fugidia inspiração.
Elogiou Frans Kafka, e seu grande poder de sintese, que foi o primeiro escritor que presentiu o nazismo e o stalinismo e escreveu sobre o assunto e que Kafka, Prouts e Joyce mudaram/transformaram a literatura do Século XX.
Lembrou de Osman Lins que por ser pouco acessível passou desapercebido pelo mundo, fato que ocorre com alguns grandes escritores. Contou que uma vez na Feira do Livro de Porto Alegre compareceu numa sessão de autógrafos do escritor e que só tinha duas pessoas. Ele e uma professora de literatura.
Defendeu ainda Dalton Trevisan salientando que a crítica é ruim quando diz "MAIS UM LIVRO DE DALTON TREVISAN" como se ele não acrescentasse algo de novo em sua obra. Vislumbra nas entrelinhas a evolução do escritor que apenas aprimora a cada ano o mesmo tema e sua forma de narrativa que não se preocupa com nomes, ambientações etc, mas resume o algo mais, o substancial do texto.
Quanto a reforma ortográfica foi enfático. A mudança que está aí não vai desencadear nada de bom e que a língua portuguesa deveria sofrer uma mudança drástica, inclusive acabando com a crase. Brincou que a crase foi criada apenas para humilhar as pessoas que nunca sabem quando aplicá-la.
Referindo-se à escrita utilizada pela moçada na internet, deixou seu ponto de vista: "estão escrevendo. Já está ótimo" e que tais novidades só enriquecem a língua, por pior que à primeira vista possam parecer. (o escritor é a favor do anglicismo)
Quanto à opinião de Ligia Fagundes Telles de que o Brasil tem escritores demais, discordou: O Brasil não tem tantos escritores e à escrita tem que estar ao alcance de todos, como forma de expressão de emoções, de sentimentos e quanto mais pessoas escrevendo melhor, jã que assim como escritores passam e morrem sem deixar vestígios o destino de um texto literário é muito incerto e se apresenta com estranhos mecanismos de absorção. (citou Dom Quixote de Cervantes e a despretensão do escritor ao escrever uma das maiores obras literárias da Humanidade).
Concluindo: AULA DE CULTURA - uma hora foi pouco!
No final ainda fui brindado com uma dedicatória no livro "Um sonho no caroço do abacate" - "para tinoco, leitor culto, abraço do Moacyr" - disse que o livro é uma das histórias de imigrantes que escutou em sua infância.
Obrigado! Valeu!!!
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