Sou
brasileiro, solteiro, veterinário aposentado por invalidez aos 38 anos. Não sei
como isso foi acontecer? Só me lembro do meu último trabalho. Estava numa
fazenda em pleno ato de combate à miíases cutâneas(bicheira) de uma vaca Jersey
quando desmaiei e acordei no hospital. Depois disso nunca mais trabalhei. Moro
com meus pais e não sou feliz em plenitude, a não ser em alguns momentos
especiais conforme vocês verificarão no desenrolar dessa estória. Fui
diagnosticado como esquizofrênico mas é mentira. Esses médicos da Previdência
Social não entendem nada. Uns merdas! Aliás quem pode dizer que entende alguma
coisa nesse mundo sem sentido e nesse País de bosta?
Sempre
acordo tarde! A manhã me entedia, me lembra a infinidade de horas em que vou
ter que encarar o nada o vazio da minha vida de aposentado. Então ligo o
computador e fico nas redes sociais vendo o vazio da vida dos outros. Quanta
banalidade.... A vida é banal, mas nessas redes sociais observo o quanto o ser
humano é fútil, egocêntrico e egoísta.
Pois
bem! Sempre posto alguns comentários políticos para passar o tempo. Acho que
política é importante, faz parte e divulgar alguns pontos de vista contra a
insegurança e a violência podem ajudar na construção de um mundo melhor. Sou
entediado não alienado e por incrível que pareça ainda acredito no ser humano.
Ninguém curte os meus comentários. Também não faço questão. Não quero ser
apreciado por essa bandalheira de boçais que postam fotos da última viagem a praia, vídeos de esqui em Bariloche, mensagens de otimismo, aniversário
de casamento, declarações de amor e outras coisas desprezíveis. Não, não...
Mas
o que eu odeio mesmo é foto de cachorrinho. De cadelinha, de shitzu, de
poodle... que coisinha mais desprezível....Que droga, o suposto amigo além de
ter um animal de estimação que só serve
pra defecar no jardim alheio tem que torrar a nossa paciência????
Existe
uma infinidade de infelizes dizendo nessas redes sociais que amam mais animais
do que pessoas, mostrando fotos de animais e dizendo que são lindos, pedindo
ajuda para encontrar cadelinhas perdidas, típico comportamento pequeno burguês
num País onde temos 20,4 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes. É de
estarrecer. Por isso que no curso de veterinária me especializei em animais de
grande porte, vacas, bois etc. Esses pelo menos tem uma serventia. Servem para
comer, para fritar bife, churrasco.
Também
sou apaixonado por armas. Tenho uma coleção aqui no meu armário. Mas gosto
mesmo é da minha Barret M82A1 com mira telescópica e silenciador. O legal dela
além do seu formato anatômico e militar é que seu tiro pode atingir até 2 kilometros
e meio de distância. Sem contar a aproximação da mira e a sua efetividade. A
minha tem até nome. Bartira. Toda noite tiro a Bartira do armário e durmo com
ela bem abraçadinho (e descarregada é claro porque não sou bobo). Trato-lhe como
uma mulher de verdade. Garanto que é bem menos belicosa. Mulheres de verdade me
dão medo, não gostam de mim mas também não dou nenhuma importância. Não
necessito delas; me satisfaço sozinho com muita competência,imaginação e gel
lubrificante. Aliás se for pensar mesmo não necessitamos de ninguém nessa vida
vazia e passageira. Se a necessidade faz o homem no meu caso esse ditado velho
não se aplica. Coisa de pederasta.
Pois
bem, só de brincadeira coloquei a Bartira num case de violão e comecei a perambular pelo centro da cidade me
misturando com essa corja de infelizes que seguem andando e comprando e
contratando advogados, marcando consultas com médicos e dando importância
excessiva à vida e seus pequenos problemas. É incrível como é fácil andar com
uma arma de alto poder lesivo e não ser notado sendo confundido com um pobre músico
indo para um ensaio ou apresentação qualquer.
Cumprimento
policiais com semblante de “homem do bem” na maior cara dura. Confesso
envergonhado que tenho sempre uma ereção nessas ocasiões. Sou um grande artista
e capaz de passar incólume e despercebido nas grandes multidões de cretinos. Um
gênio travestido de homem comum. Aliás modéstia é para os fracos!!
Mas
vamos aos fatos. Assim como é fácil andar com uma arma pelo centro da cidade
sem ser notado é muito fácil subir nas coberturas dos edifícios comerciais,
armar um suporte e acoplar a Bartira. É
sempre da mesma maneira. Falo na portaria que vou em um escritório de um advogado
qualquer e me dirijo para a cobertura no último andar que, ao contrário dos
países evoluídos, no Brasil não é aproveitada para nada – mero suporte de caixa d’agua, sujeira e
entulho. Um espaço vazio e sem vida. O ambiente perfeito para meu divertimento.
No
começo ficava horas no parapeito mirando
para cãezinhos de todos os tipos, chihuahuas coloridos, pinschers
enrustidos, chow chows peludinhos, lhasas atrevidos, poodles de todas as cores,
pretos, marrons, brancos.....e assim me divertia até o final da tarde e ia para
casa me sentindo o senhor do destino de tão repugnantes criaturas. Deus cometeu
erros crassos no momento da criação, mas esses bichinhos inúteis....
Um
certo dia involuntariamente quando mirava para um poodle branco o gatilho
disparou. O tiro acertou em cheio na testa do pequeno cão que morreu na hora e
seguiu arrastado pela calçada e puxado pela coleira por 50 metros até que a sua distraída dona se
deu conta do fato. Lá embaixo uma enorme aglomeração, choro desmedido, comoção
popular. Em cima do edifício
experimentei o maior êxtase de toda a minha vida. Uma sensação de
plenitude, um lampejo, uma razão para viver. Enfim um sentido para a minha
existência. Rapidamente desarmei a Bartira, guardei-a no case e fui para casa sorrateiramente. Passei ao lado da cena do
crime, exercitando o meu dom artístico com ares de comoção. O crime foi
perfeito, a nossa polícia incompetente jamais cogitou quem poderia ser o autor
do disparo, sequer investigaram a trajetória da bala. Com certeza pouca
importância deram para a morte de um mero cãozinho de madame.
Foi
fácil. Diria extremamente fácil mesmo odiando o Rogério Flausino, aquele merda!
Sigo
com a minha missão é claro com variações de cidades, centros, edifícios, com
bom espaçamento entre um assassinato canino e outro para não causar suspeitas. Afinal
aposentado e preso está fora de cogitação. Eu não agüentaria o tranco e o convívio com os demais detentos
nem mesmo em cela especial por direito. O ser humano é difícil. Seria muita
humilhação para um artista e gênio como eu.
Matei
cães de todas as raças, até mesmo cachorros maiores como Doobermans, Filas e São
Bernardos. Muitos me agradeceriam se soubessem....
Porém
por uma dessas vicissitudes sem qualquer explicação plausível, reparei que o êxtase maior motivador da minha missão só
ocorre quando mato poodles brancos. (???)
Desde
então me especializei em poodles brancos. Uns dizem que é uma raça francesa
porém a grande maioria acredita ser alemã. É considerada uma das raças mais
inteligentes do mundo. Talvez seja esse o mote para a minha obsessão
inexplicável. Preciso anotar para a
próxima sessão de terapia.
Frisando
é claro que esse meu terapeuta também
não entende nada. Um merda!!! A única pessoa que me entende nessa vida é a
Bartira, minha amada, minha companheira, minha confidente. Mas isso já é outra
estória...
LUIZ
TINOCO CABRAL
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