The Women Bathing 1929 - obra de Tamara de Lempicka
Dos prazeres que me restam como homem casado além das
alegrias do leito conjugal e oficial e o som da novela entrando pelas vísceras me sobra ler bons
livros. Desta feita confesso: Sou fã de carteirinha do Mário Vargas Llosa ,
escritor que admiro sobremaneira
acompanhando os altos e baixos de sua carreira como romancista.
Simplesmente adoro “O paraíso é na outra esquina” e “Memórias de uma menina
má”. Seu último livro “O herói discreto” é um livro discreto. Daqueles sem
alarde, sem arroubos de política ou grandes saltos estéticos de um escritor que
não tem que provar mais nada para mais ninguém. O Esquema de duas três estórias
paralelas e intercaladas que se encontram vagamente ao final continua lá. O
resgate de antigos personagens de outros romances também continua lá. Afinal o
escritor tem um estilo próprio ao escrever, tem suas cartas na manga, tem 78 anos e nenhuma necessidade de mudar o time que efetivamente joga bem e
efetivamente ganha. Porque não? A critica é impiedosa, sempre espera algo novo
ainda mais depois que ele ganhou o Nobel de Literatura e se envolveu com
política num passado próximo. Só vejo criticas negativas ao livro. É difícil
para algumas pessoas pensar, imaginar vagamente que o escritor quer apenas contar algumas
estórias e se divertir com elas sem segundas intenções. Afinal escrevemos para
quê? Para influenciar ou para entreter? Porque não as duas coisas sem
maneirismos ou afetação? E é somente isso. Um livro sem maneirismo e afetações
que trata superficialmente “en passant”
de questões como ética e retidão de caráter num mundo materialista. A
dificuldade da honestidade no mundo moderno. O medo coletivo. Os personagens
principais Felicito Yanaqué e Rigoberto passam por inúmeras dificuldades e
provações para manter seus princípios ante às tentações mundanas e triunfam em
um final edificante. Os personagens se dão bem ao final e isso a crítica não
perdoa. Acusam o autor de neoliberal já que um protagonista é empresário bem
sucedido e o outro funcionário/advogado graduado de uma grande empresa. E
porque não? Só tem valor escrever sobre artistas do underground que bebem e
flertam com o suicídio 24 horas por semana? Acusam-no ainda de novelismo,
irrealidade etc. Com o devido respeito
às opiniões divergentes não aceito. As estórias estão bem engendradas e se
sustentam e nos impulsionam para a continuação, para o capítulo seguinte sem
nenhuma dificuldade. Li o livro em dois dias até perdi a noção do tempo. Os
personagens estão bem constituídos, passam na prova do CPF e do RG, e embora
tipos comuns, deixam a impressão de magnitude, deixam uma mensagem, ou seja
toda essa lenga lenga e para dizer que os personagens deixam o seu recado, a
que vieram. Um romance tem que cativar o leitor. E cativa. Ademais sempre achei
que o Rigoberto é o alter ego do Llosa. Aquele cara no fim da vida bem casado que quer curtir as alegrias do leito conjugal
e oficial, seus livros, suas gravuras ao som de boa música mas é convidado
frequentemente a lidar com toda a urbe ensandecida, críticos mesquinhos e com essa estranha realidade massacrante do dia a
dia que nos envolve. Talvez não perdoem
o escritor devido a esse atual e bem dado piparote na página 180 : “a função do jornalismo nesta época, por
exemplo, ou pelo menos, nesta sociedade não era informar, era escamotear toda e
qualquer forma de discernimento entre a mentira e a verdade, substituir a
realidade por uma ficção na qual se manifesta a massa oceânica de complexos,
frustrações, invejas, ódios e traumas de um público corroído de ressentimento e
pela inveja. Mais uma prova de que os pequenos espaços de civilização nunca
prevaleceriam sobre a incomensurável barbárie.” Mais atual impossível não?
Basta ir na banca e ver a capa da última “Veja”. Enfim pode ler sem culpa ou
vergonha. Pra finalizar e dar um piparote em você leitor que não acredita no
seu próprio potencial artístico (como eu) destaco o diálogo abaixo entre o
filho Fonchito de 14 anos e seu pai Rigoberto retirado das páginas 185/186,
lembrando que Deus perdoa tudo menos a covardia. Se a carapuça servir já ta
valendo. Lá vai: “-Sobre você papai. Você
sempre gostou de arte, pintura, música, livros. É a coisa de que fala com mais
paixão. E então, por que foi ser advogado? Por que passou a vida inteira
trabalhando numa companhia de seguros? Você devia ser pintor, músico, sei lá.
Por que não seguiu sua vocação? Dom Rigoberto assentiu e pensou um pouco antes
de responder. – Por covardia, filhinho – murmurou afinal –Por falta de fé em
mim mesmo. Nunca acreditei que tivesse talento para ser um artista de verdade. Mas
talvez fosse só um pretexto para não tentar. Decidi não ser um criador, e sim
um mero consumidor de arte, um diletante da cultura. Foi por covardia, é a
triste verdade. Então é isso. Não vá seguir o meu exemplo. Seja qual for a sua
vocação, vá fundo com ela e não faça como eu, não a traia.” E aí serviu?
Como uma luva não é? Esse espaço agora passa a ser de auto-ajuda também. Agora
vamos ler o Cântico dos Cânticos que está no livro mais erótico do mundo e
procurar na internet o catálogo de Tâmara de Lempicka na Royal Academy. Só vai
entender esse último lampejo súbito de vontade quem ler o livro. Só para
ilustrar que um romance de Mário Vargas Llosa nunca é um simples romance
dispensável como muitos levianamente reproduziram por aí. Cabe apenas um
pequeno puxãozinho de orelha no escritor já que ele sacaneou o personagem
Fonchito na página 339. Eu provo: “No free shop ela havia comprado várias
correntinhas de prata peruana para das de lembrança às pessoas simpáticas que
conhecessem na viagem e Fonchito um DVD de Justin Bieber, um cantor
canadense que enlouquecia os jovens do mundo todo e que ele pretendia ver
durante o vôo na tela de seu computador”. É ruim heim Fonchito? Pelo
amor de Deus.... Essa foi imperdoável. (risos).