foto Bob Sousa
Digo desde agora e sempre que é difícil manter o
distanciamento quando nos deparamos com um livro de um cara que é a nossa cara,
que tem os mesmos ídolos e quase as mesmas idéias. Aliás isso é um privilégio
cada vez mais raro nesse mundo esquisito e multifacetado. Mas vamos lá: O livro
“Os anos do furacão” do Mário Bortolotto
narra em forma de crônicas de uma maneira bem sincera e com um vocabulário
simples e cheio de gírias (“ta ligado?”); trechos da vida do escritor,
dramaturgo, ator, músico, poeta....desde a sua infância até o episódio dos
tiros/assalto no teatro da Pça Rossevelt e fatos posteriores a este
acontecimento marcante a fartamente noticiado. Tudo bem autêntico, bem a cara
do autor, de maneira desordenada, em formato “blog” e pinçando acontecimentos e brincando com a
memória. Porém ao contrário do Marcelo Mirisola que mais inventa do que
transcreve a realidade biográfica com proposital picaretagem no livro do
Bortolotto temos uma crueza e uma sinceridade quase infantil, singela, você lê
o livro e diz: “- É ele mesmo, está tudo ali!”
Com o devido respeito é o mesmo “marginal” corajoso que
encontrei em duas palestras aqui em Ribeirão Preto, uma na Feira do Livro e
outra nos Estúdios Kaiser de Cinema, sem contar as inúmeras e impagáveis
entrevistas, peças, livro de contos, vídeos no youtube, etc. O Mário curte esse
negócio de ficar à margem, mas ao mesmo tempo trabalha pra caramba, produz como
ninguém e extrai dessa situação, com muito humor, diga-se, todo o seu material
de trabalho como um Plínio Marcos, um Gutierrez.
O Mário é um exemplo de anti-exemplo de auto-sabotagem
voluntária e só quem tem alguma maturidade de vida pode entender o que eu estou
escrevendo. Só esses vão entender o título acima “Manual de antiajuda”, só
aqueles que tem um Bukowski ou Henry Miller na cabeceira da cama no lugar da
Bíblia.
Muito embora o livro seja de memórias, temos nas entrelinhas
várias divagações pertinentes e visões peculiares sobre sucesso, fracasso,
estilo de vida, trabalho, coerência, solidão, individualismo, marginalidade,
drogas, bebida, esporte, amizade, sinceridade, referências, gibis, poesia,
blues.....
Legal ver também a modificação de ânimo antes e depois do
dia fatídico. Acho sinceramente que aconteceu alguma coisa importante ali.
Antes o texto era mais leve, superficial, agora mais melancólico, mais
nostálgico e porque não dizer mais equilibrado e sereno. Laudas em homenagem à
filha, aos verdadeiros amigos.... Afinal qual a razão de viver ou ter uma
segunda chance senão para estar com aqueles que valem alguma coisa e fazendo
aquilo que vale a pena?
Você pode não gostar e não concordar com tudo que o Mário
diz, mas é tudo muito bem fundamentado por alguém que vive na carne e
constantemente aquilo que escreve.
Uma vez fui numa palestra de uma escritora que veio com essa
de laboratório, que para escrever sobre
o lixão pesquisava em livros, em jornais, bibliotecas.... Definitivamente não
acredito nessa literatura. Falta sangue, falta esperma, merda, falta verdade,
falta adubo natural, urina na meia(essa é do Mário rsss). No livro do Mário voa
resíduos para todo o lado. É só ligar o ventilador ou abrir a garrafa. (a capa
do livro é o rótulo estilizado de um Jack Daniels – risos novamente). Só para
ilustrar o que estou dizendo aí vai uma transcrição da crônica “bem-vindos ao
meu mundo”: “Não é o melhor dos mundos e
nem é exatamente agradável. É um mundo de um cara confuso que sempre mete os
pés pelas mãos e perde o jogo e não consegue trapacear, mas mesmo assim fica
posando de “esperto” (...) o meu mundo não cheira bem e as torneiras estão
sempre pingando e há restos de comida em cima da pia.” M. Bortolotto na pág
253.
Portanto fica a recomendação – tecle na editora Realejo e encomende o seu www.realejolivros.com.br. Para mim
o livro caiu muito bem. Viver sem grandes expectativas em relação a si e em
relação aos outros nesse mundo que persegue o “sucesso” a qualquer custo e
tenta esconder às “mazelas” embaixo do tapete. Estou aos poucos pulando fora
também meus caros leitores! Não se iludam! Aproveitem enquanto ainda dá tempo.
Fica aqui a minha “antiajuda”. Maiores esclarecimentos é só pagar uma cerveja
qualquer lá no Bar do Português.