Há vinte e poucos anos atrás eu era o cara aí em cima na foto. Estava na Europa no inverno muito bem acompanhado das amigas e irmãs Acosta de Porto Rico; conforme se verifica usava um casacão do meu avô, cachecol branco e tinha muitos sonhos e muito mais cabelo como é fácil constatar.
Desde essa época já escrevia com constância no meu “Diário” com a minha Remington portátil e guardava algumas coisas em pastas para “posteridade”. As religiões passaram, os espasmos atléticos, os ideais políticos, os fartos cabelos, a Remington portátil.... mas a literatura ficou em minhas entranhas, no meu modo particular de encarar as coisas e suportar a loucura do cotidiano.
De todos os escritores que li talvez tenha como maior ídolo Charles Bukowski que certa vez confessou: “essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura”.
E é mais ou menos nessa pilastra que a coisa toda se sustenta.
Num momento de nostalgia , gripe forte e falta de inspiração começo a reler essas coisas antigas, muito ruins, diga-se, mas que me protegeram e me ajudaram em algum momento da vida. Recomendo ler e escrever como forma de terapia gratuita, de auto-conhecimento.
E para não dizerem que estou mentindo aí vai um trecho do antigo “Diário”: “24/08/1992 – Hoje me vejo por outro ângulo. Abaixo do chão. Sem pretensões faraônicas, desejos demoníacos, sonhos onipotentes. Mais um mero mortal em busca de sexo, prazer, dor, aceitando suas imperfeições. Apaixonado pelo bar da esquina, árvores em torno de um lago, levar o cachorro na praça, escavar a terra, desmanchar torrões, suar...Sentir o vento, fugir da fumaça, tomar sol, andar de terno pelas ruas calorentas, ver os sonhos, escolher alguns e jogar outros fora. Filtrar os sentidos, tomar uísque ao cair da tarde, cair junto com a noite, despedir de tudo e de todos para longas viagens sem destino. Sentir a vida, beijar o erro, sublimar a relatividade. Hoje me vejo simplesmente assim. Simplesmente como tudo deveria ser. Mas não é. (...)
Legal não é? Poder relembrar estados de espírito, humores.... Acho que nessa época Kerouac e Hemingway já faziam parte da minha vida. Pois então...graças a boa literatura sobrevivi e ainda acredito no carinha lá de trás, do passado longínquo e do cachecol ridículo. Não é pouco. Não é fácil.