domingo, 27 de dezembro de 2009

Uma luz no porão

"cuide bem de sua fé, faça tudo para a sua fé render..."






Outrora, em meados de 1993 quando tinha acabado a faculdade de direito e não tinha nenhum rumo a tomar, resolvi prestar concursos públicos. Logo eu que odiava rotinas, burocracia, protocolos, provas, autoridades e coisa que o valha. Mas a estabilidade....a respeitabilidade(perante a família é claro)....e principalmente senão exclusivamente o salário eram motivos fortes. Então para me concentrar na árdua batalha, montei meu bunker no porão da vovó. E lá ficava com aquelas apostilas ridículas e um abajurzinho sofrível tentando assimilar os "interesses difusos em espécie" ou mesmo os elementos "essenciais" do direito administrativo. As horas passavam lentas até o esperado grito da vovó lá em cima. - Hora do lanche; e a empregada descia com uma bandeja de prata com um pratinho e uma fatia de pão-de-ló + uma jarrinha de suco de caju. Bendita vovó! Tudo ia bem, mas o tédio e a minha falta de interesse pelo código comercial falavam mais alto. Comecei a olhar para os lados e a contar o número de desenhos na cortina, a quantidade de pontos no tapete...o número de revistas dispostas na estante...;Ato contínuo e como não tinha mais nada de interessante para fazer resolvi ler as revistas. Era uma grande coleção da extinta revista Cruzeiro. E foi lá que descobri os textos da Raquel de Queiroz, colunista assídua que na edição de 01 de agosto de 1959 publicou o texto intitulado "Nada é sagrado" que transcrevo agora parcialmente : "Todo o artista, quando não erige a si próprio um pedestal, pelo menos se isola, sem querer misturar com as demais raças dos homens, de quem não se considera igual(...) "Em busca dessa sinceridade Jean Jacques não se peja de contar que obrigava a pobre Tereza a enjeitar os filhos dele na roda dos expostos. Dostoiévski esmiuça até a exaustão os seus espasmos de epilético, a terrível embriaguez de seu vício incurável - o jogo. Gide expõe, perversamente as nuanças mais íntimas do seu desvio, e, achando pouco, não nos poupa sequer o espetáculo da frustração e ressentimento que é a vida da triste Emanuèlle O'Neill, esse arasta a família toda para a ribalta - a mãe morfinômana, os irmãos, o pai alcóolatra. E não se diga que eles foram grandes a despeito disso. Não, eles se chamam grandes precisamente por causa disso." Legal não? E assim prossegui lendo Raquel, dentre outros iluminados jornalistas e escritores no porão até que não precisei mais do abajurzinho sofrível , das apostilas e dos lanchinhos, diga-se, deliciosos. Que Saudades da vovó! Passaram-se 16 anos ou mais e nesse tempo todo prestei apenas um concurso público. Não passei. Graças aos céus! Ou a Raquel de Queirós...sei lá! Tanto faz.
Luiz Tinoco Cabral

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Atiraram outra vez no dramaturgo


Pois é conheci o Bortolotto por citações de escritores atuais que prezo, blogs restritos etc; pouco espaço na mídia, muita bebida e outras cositas mas pra encarar o excesso de talento e a falta de reconhecimento. Cheguei a ler seu ótimo blog atirenodramaturgo.zip.net/, um puta cara legal, tem uma banda de blues, recita poemas pornográficos, ressuscitou como ambiente cultural a praça Roosevelt no centro de São Paulo, tem peças com uma temática atual, amigos interessantes, um desapego comercial etc. De repente eu que nunca assisto o “Jornal Hoje” sou brindado por uma triste notícia na TV: Dramaturgo leva quatro tiros e seu estado é grave. Reagiu a um assalto ao teatro. Pasmem! Assalto a teatro que cobra 15 reais a entrada e vive provavelmente de subsídios ínfimos e por insistência e boa vontade de uma militância cultural amiga e fiel . Dura realidade. E agora a mídia dá o sofrível espaço sensacionalista como deram para o Marcelo Fromer, o Marcelo Yuca etc. É de estarrecer a hipocrisia, o tom vago e rotineiro da notícia que antecedeu a notícia com certeza muito mais esperada - a do Mengão campeão. Ninguém percebe que demorou quarenta e sete anos para aquele artista chegar ao seu estágio?,Para aquele talento brasileiro com todas as dificuldades começar e continuar a florescer a despeito do descaso geral e tiros diários? Que o cara é influência para uma enormidade de artistas e pessoas insatisfeitas com o “status quo” que só gera porcarias e excrescências como esta que entrou pela TV agora a pouco?
E a jornalista para garantir seu emprego na emissora termina o Jornal rindo e desejando boa tarde! Como ter uma boa tarde depois de uma merda desta! Merda de notícia, merda de jornalismo. E na dúvida tive que entrar em sites de amigos do Mário como a Clara Averbuch e o Mirisola para saber que o seu estado é estável e não grave e que o grande dramaturgo, músico e escritor Mário Bortolotto vai sair desta se Deus quiser. E o brasileiro continua vibrando com o Mengão campeão....jornalismo canastrão....político ladrão....abre o olho mermão!
E fique esperto porque vc que é atuante, inteligente, consciente, faz teatro experimental, música, poesia e escreve livros acima da média pode ser o próximo. E nada disso interessa. Só a cor e a quantidade do seu sangue rubro neste mundo negro.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

a bala que liberta



Lento caminhou para fora de casa. Olhou para os dois lados. Atravessou a rua. Suspirou cansado. Limpou o suor frio da testa. Pegou um revólver calibre 38 e atirou na própria boca. Será que o barulho acordou sua esposa? Seus filhos? Toda a sociedade? Será que um vira-lata sujo lambeu seu sangue na calçada? Quem foi que disse que a vida é uma doença degenerativa e sexualmente transmissível?

Pornopopéia Reinaldo Moraes

Como deixar de comentar este que foi o livro que mais me surpreendeu no ano? Reinaldo Moraes consegue não só escrever um livro ou um capítulo intrigante mas vários PARÁGRAFOS intrigantes e bem escritos(na sua maioria). O livro inteiro é uma profusão de idéias extravagantes num contexto aparentemente desconexo mas que conecta perfeitamente com a idéia principal do livro e a característica do seu personagem central Zeca - cineasta maldito falido drogado e prostituido(uma Cristiane F de 42 anos) ; mas que não abre mão de sua personalidade de suas idéias. Politicamente incorreto ao extremo vai desnudando toda a hipocrisia das vidas "bem vividas" daqueles que tem o barbear rente e macio já enaltecido por Mirisola. (Sempre Mirisola...). E vamos vivendo uma vida desregrada que pode terminar tanto numa suruba num templo metido a Hindú, como nas praias quase privadas da fictícia Porangatuba, nos puteiros de Paraty, nas bocas de fumo da grande São Paulo, ou mesmo nos balcões imundos do Bar Bitch. Personagens inesquecíveis como o mineiro Nissim, sua esposa ambígua, a dona da pousada, sua amiga milionária, o Dr. advogado Margarido que sempre introduz as conversas com "meu querido", as prostitutas cocainômanas do Bar Bitch, a caiçara linda e dentuça do Bar da "Ilha das Rocas", o caseiro, o menino/maurícinho que passa, o empresário, o traficante, o policial corno, o travesti....enfim nosso personagem Zeca hedonista e com a crítica aguçadíssima, baseada na sua cultura geral peculiar não deixa escapar ninguém. Nem mesmo ele. Sobra merda, sangue e esperma pra todo mundo nesse ventilador giratório chamado Pornopopéia. Leia se tiver estômago! A refeição é farta e estranhamente rica. E já encomendei o "Tanto faz" livro de estréia do autor que em 1981 tornou-se "cult" e narra a estória de um estudante bolsista que vai para Paris abandona os estudos para vivenciar uma outra Paris - quem sabe aquela do submundo de Santiago Gamboa, Hemingway ou mesmo do catalão Henrique Vila-Matas cada qual fazendo suas descobertas a seu tempo. E é isso aí: "estudando e lendo vou crescendo" - li no para-choque do caminhão. Tchau - vou comer um miojo com salsicha a la Reinaldão.