domingo, 2 de agosto de 2015

OSSOS DO ORIFÍCIO

(foto extraída da internet - autor desconhecido)



  Me chamam de Ricardo da Cruz, uma alusão ao negócio da família de venda de crucifixos de osso que já dura três gerações. Não sou rico. Se a família tivesse investido em crucifixos de ouro, ou prata, que seja, estaria numa situação melhor. Não reclamo. São os ossos do meu ofício.

  Sou discreto. Faz parte do meu negócio ser discreto. Aqui cabe revelar um segredo que poucos sabem. A matéria prima dos nossos crucifixos é osso humano a  30 anos. No princípio vovô usava osso bovino, eqüino, caprino. Meu pai também. Mas o sucesso veio quando consegui um contato no IML aqui da cidade que passou a me fornecer ossos humanos para a lapidação dos crucifixos. Muitos cadáveres da cidade foram enterrados sem os ossos apenas com enchimento no lugar do fêmur ou da patela. Os parentes nem imaginam. Meu fornecedor é um artista e a legalidade desse procedimento é duvidosa, mas a consistência e a maleabilidade desses ossos nem se compara aos de outros animais de pequeno e grande porte. Saliente-se a título de ilustração   que  um pequeno e mísero  pedaço de osso humano  consegue suportar até 9 toneladas de carga.


  Incrível como o meu negócio prosperou após essa inovação. De forma inconsciente, e principalmente às mulheres ao se depararem com meus crucifixos nas vitrines das lojas sentem uma grande e irresistível atração. Não sei se é o osso, minha arte, ou quiçá a própria morte. O que interessa é que as vendas aumentaram, o que me possibilitou ter mais horas vagas para apreciar as belezas desse mundo, mais especificamente elas, às mulheres.

  Quando não estou trabalhando tenho por hábito sentar nesse banco aqui no parque com um lago bucólico  e um lindo caminho de pedras, onde agora escrevo. Não é uma parque movimentado, isso é proposital. Gosto de tranqüilidade. Fico aqui com meu caderninho e caneta esperando pacientemente a passagem delas. As mulheres bonitas, e claro, ossudas. Tenho um critério diria, peculiar, para analisar a beleza feminina. Enquanto a maioria dos homens repara na carne, nas nádegas, nos seios, eu, talvez por dever de ofício fico imaginando como um super-homem e sua visão de raio-x  a ossatura, a carcaça que se esconde atrás dos músculos, veias e do calor do sangue.  O erotismo é muito mais forte nas entranhas mas poucos sabem. Nessas horas a ereção peniana é inevitável. Anoto algumas características que me vem à cabeça e corro para casa para praticar os solitários prazeres e artes de Onan.

  Opa, lá vem uma:

  Mulher de estatura mediana, cabelos loiros, na faixa de 30 anos, roupa de ginástica, carrega uma sacola azul, deve conter alguns vegetais, saindo da ginástica e indo para casa comer brócolis com cenoura, fêmur de 43 centimetros. Que delícia, queria poder chupar esse fêmur.

   Lá vem outra:

  Mulher baixa, cabelas castanhos, 29 anos, roupa muito fechada, carrega uma bíblia, deve ter saído da igreja, a princípio nada excitante, mas veja lá, que orelhinha....três ossinhos e um estribo de 3 milímetros. Esse dá para sentir com a língua. Já tive essa experiência e recomendo sem pestanejar. Delícia.

  Oba, hoje o negócio está bom, diria muito bom.

  Mulher alta, negra, uma Deusa, cabelo encaracolado, perfume de jasmin, porta um livro de direito, “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen, dá para ver a capa; um decote que deixa vislumbrar a ondulação dos seios e como sempre me ocorre o inevitável. Tenho uma enorme ereção ao imaginar  aquela coluna esbelta e suas trinta e três vértebras cartesianamente enfileiradas para o puro deleite; o cheiro do osso, o cheiro do amor inatingível.

  Sei que você deve estar pensando que eu tenho problema psiquiátrico, que deveria me tratar, que sou um tarado incorrigível, com uma tara inexplicável, quase um pisicopata, mas o que posso fazer se esse sentimento domina todo meu ser a todo instante. A coisas que vão muito além da nossa capacidade de entendimento. Friso que não sou um necrófago, um serial killer ou coisas do tipo, mas apenas um voyeur pacato e inofensivo cumpridor dos seus deveres e pagador de impostos.

  O fato é que hoje já na saída do parque e após fazer estas anotações tive uma experiência sobrenatural que nunca tinha me ocorrido. Ao olhar a minha própria imagem refletida nas águas do lago que circunda o parque pude ver de forma cristalina e transparente o meu próprio esqueleto, todo ele completo e  libidinosamente tesudo.

  E ao focar a visão nas minhas vértebras sacrais, um fenômeno instantâneo e narcisístico  ocorreu:

  Foi amor à primeira vista e agora estou  desesperadamente  apaixonado pelo meu próprio esqueleto; Porém o que me deixa realmente pasmo, estupefato é que nunca fui muito chegado em esqueletos masculinos. Mais essa agora....

  Pensando bem talvez você tenha razão e eu  deva mesmo consultar um analista e levar essas anotações para ele verificar.

  Antes porém e por via das dúvidas vou no laboratório aqui perto fazer uma radiografia de corpo inteiro. Quero pregar a chapa na parede, em frente à privada do banheiro lá de casa.


  O onanismo ainda me mata. Será que tenho cura? Vai ser osso.

autor: Luiz Tinoco Cabral (todos os direitos reservados)

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