sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Paris não tem fim - Enrique Vila-Matas


Acabo de ler o ótimo livro acima do escritor catalão que descreve a época em que ele vadiava por Paris para tornar-se um escritor; morava num pequeno apartamento da escritora Marguerite Duras e seguia os passos do célebre escritor Ernest Hemingway. Foi a descoberta do ano! Ora, um livro que dá vontade de ler novamente não é uma descoberta? E quando dá vontade de conhecer os outros livros do autor? Sem dúvida! Enrique é fá de Borges e demonstra uma capacidade intelectual muito além dos escritores imaturos atuais. Tá certo que ele não é novinho, coisa e tal, mas demonstra muita segurança na escrita e principalmente nas citações. Livro de escritor que lê. Que vive o dia a dia de escritor. Que conviveu com escritores. Também com loucos como o personagem real Bouvier "eram somente as palavras de um louco. Muitas vezes, porém, os loucos anunciam o que vai acontecer". E dentre as pérolas extraídas temos aquele personagem boêmio Parisiense que muito rico e herdeiro investia seu dinheiro em uma pesquisa sem fim com um tema esdrúxulo apenas para sustentar uma infinidade de estagiários, estudantes e pretensos escritores. E vamos passeando por uma Paris vibrante e seus cafés como o "des amateurs" e o "Flore" ou mesmo o Bar do Ritz enquanto o autor ainda jovem tenta escrever o seu primeiro romance "A assasina ilustrada".
De repente na página 107 temos a seguinte citação do camarada René Char "a perdição do crente é encontrar sua igreja".
E ao acabar o livro fiquei com a impressão de que encontrei a minha. Bem longe dos evangélicos...chatérrimos...E pra quem não gostou deste post fica uma citação de Jacques Prevért que grifei na página 230 que dizia que "tinha um pé na Rive Droite, outro na Rive Gauche, e o terceiro na bunda dos imbecis". Ulalá!!!
A tradução é de Joca Reiners Teron e já temos no Brasil traduzido "A viagem vertical" "Bartebly e companhia" "O mal de Montano" e para lançar o novo "Suícidios exemplares". Leiam Enrique Vila-Matas - sem medo de ser feliz.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pulp e o velho Buk

Saúde! Acabo de ler mais um livro do velho Buk "Pulp", o último de sua vida onde um detetive atabalhoado Nick Belane, entre tardes e noites de realidade insuportável e momentos de intensa depressão tenta desvendar alguns mistérios e justificar sua profissão insólita. Uma brincadeira de Bukowski com o gênero, tachado de subliteratura. Porém o que o velho Buk faz não pode nunca ser tachado de "baixo clero". Trata-se de uma paródia, uma imitação burlesca do gênero para atingir outra finalidade já que o grande mistério a ser desvendado é a própria morte representada por um pardal vermelho. Um belo livro. Um belo final para este escritor iluminado que soube conservar seu estilo único até seus 73 anos, influenciando uma infinidade de escritores até os dias de hoje. A foto acima é pra ilustrar uma de suas grandes paixões: A bebida - "voltara ao meu velho amigo, uísque escocês com água. O uísque escocês é uma bebida que a gente não gosta imediatamente. Mas, depois que se acostuma, ele opera uma mágica". Realmente - há momentos que só um velho e bom uísque escocês é capaz de superar a solidão e a velhice ou a solidão da velhice tão bem descrita no livro: "Portanto, agora, ali estava eu. Sentando ouvindo a chuva. Se eu moresse agora, ninguém verteria uma lágrima em todo o mundo. Não que precisasse disso. Mas era estranho. Até onde um trouxa pode ficar solitário? Mas o mundo estava cheio de velhos rabugentos como eu. Sentados ouvindo a chuva e pensando para onde foi todo mundo. Aí é que a gente sabe que está velho, quando fica pensando para onde foi todo mundo. Bem. não foram para lugar nenhum. Não precisavam ir. Três quartos estavam mortos." E nessa busca improvável para desvendar mistérios quase insoluveis vamos nos deparando com personagens que parecem extraídos de algum gibi ou filme de gangsters : Cindy Bass , Jeannie Nitro, Billy French, Dona Morte, Johnny Temple....
Portanto mais um livro memorável para ser lido sem ser levado a sério, aliás como sugerido pelo próprio autor em sua dedicatória: "dedicado à subliteratura". Mas não deixe de ler nas entrelinhas: afinal o velho Buk é o velho Buk e a morte é um pardal vermelho que abre o bico e nos mostra um enorme espaço vazio com um enorme vórtice amarelo mais dinâmico que o sol.
E infelizmente em 1994 o fulgor intenso da luz amarela invadiu e envolveu o nosso herói das letras e das garrafas. A chuva fina que cai lá fora me convida a verter lágrimas que engulo já que o velho Buk com certeza não aprovaria. Vivamos intensamente enquanto é tempo. Mais um brinde!!!!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

perna cabiluda

Só mesmo entrando no portal de curtas do Brasil http://www.portacurtas.com.br/ para acompanhar uma insólita história de uma perna sem corpo que perambula pelas ruas de Recife e desperta os maiores surtos de imaginação, medo, desejo e curiosidade em toda uma população.
É a magia da literatura popular de cordel que por muitas vezes apresenta-se com qualidade indiscutível e eternizou seres lendários como Raul Seixas.
Bom também ver o poder que o rádio desperta no imaginário popular e Chico Science em ação(saudades!) e finalmente entender aquela música da "perna cabiluda" do Zé Mané e coisa e tal.
O Pernambucano é acima de tudo um....contador de histórias. Meu sogro, seu Reginaldo, não nega.
O curta-metragem em questão(documentário) é de Beto Normal, Marcelo Gomes, João Júnior e Gil Vicente . Mesma turma que realizou o ótimo "Cinema, Aspirinas e Urubus"
E como o vento vem descendo...descendo...de Recife a Ribeirão Preto, sigo aguardando ansiosamente o último Chico de Assis "Baixio das Bestas" que está começando a passar no Canal Brasil (já que no cinema eu perdi!)
Saravá pra todos(assistam curtas - entrem no portal acima) e CUIDADO COM A PERNA CABILUDA!
Quanta à ilustração acima a mesma não tem nenhuma relação com o texto. É que por uma questão estética não ia colocar uma "perna cabiluda" no meu blog. Então vai uma antítese. Só pra agradar meu sogro! Afinal..."é disso que o povo gosta"

Brincando com Clarice


Um outro final para uma crônica de Clarice Lispector:

“A tarde, sentada nos degraus de uma escada, em rua deserta do Grajaú, a menininha pobre, ruiva, solitária estava com um soluço seco a incomodá-la.
Nisso, veio passando um cachorro basset ruivo. Parou diante da menina, sem latir. Fitaram-se mudamente. Sem emitir som, eles se pediam: um solucionaria o problema de solidão do outro.
O cachorro foi embora. Incrédula, os olhos da menina acompanharam-no até vê-lo dobrar a outra esquina. “Mas ele foi mais forte do que ela. Nem uma só vez olhou para trás.”
C.L.


Final punk noir decadente:

Mas o tempo passou....a menina que esperava o bonde cansou da espera inútil e foi para casa descansar eternamente. Os bondes já eram.

O sol escaldante deu lugar a uma lua cheia, “noir” e mórbida que resplandecendo negrume transformou a menina em mulher.

Com a lua cheia “dark” e nebulosa o cão virou homem que virou lobisomem. O famoso Lobisomem do Grajaú. Terror das operárias que voltam das fábricas no frio indolente das madrugadas escuras.

E naquela malfadada noite o terrível lobisomem inconseqüente movido por seu lado humano animalesco violentou aquela mulher com toda a brutalidade em todas as posições. De frente de lado, papai mamãe, 69, cachorrinho. Com o passar do tempo tiveram vários e juntaram os trapos.

A tampa e a panela. O problema e a solução.

Hoje encontramos no Grajaú, ao som de tiroteios, um casal de velhos vermelhos com uma ninhada de bassets ruivos às margens da represa Billings dando comida aos cadáveres e fezes que boiam em suas águas. Cheiro de esgoto no ar.